25.8.12

Carnage (2011)

O Deus da Carnificina, Roman Polanski


Teatro camuflado, espécie de peça contemporânea, e por isso traiçoeira, provocatória. Influência da mecânica de outrora dos grandes estúdios de Hollywood, onde tudo era diálogo, onde tudo era reflectido e meticulosamente adequado, onde tudo era equilibrado sob o ponto de vista narrativo.

É nestes contornos que Polanski idealiza e concretiza este exercício, partindo para isso da adaptação da peça que lhe dá corpo. Exercício, porque nascendo do teatro, é isso mesmo que evidencia. Não importa se aquela cena ou se aquele adereço se encontra "direitinho", o que interessa é a fluidez, a espontaneidade, o momento, o que sai na hora e naquelas circunstâncias. Nessa linha, o contributo dos respectivos pares de protagonistas (e únicos actores do filme) é excelente, diga-se. Aliás é tudo. É o próprio filme. E, se por um lado, isso perfaz uma ou outra cena de génio, por outro não finaliza um produto igualmente genial, para efeitos de cinema propriamente dito. A realização é contida, perfeitamente enquadrada, mas pouco interessante. O cineasta já nos ofereceu, nessa sua recorrência a espaços confinados e potencialmente infinitos, ambientes bem mais cativantes (em RepulsionThe Tenant ou até mesmo em Rosemary's Baby).

O argumento, sendo bom, tem ainda assim também alguns defeitos, alguma insatisfação aqui e ali, numa certa redundância e inconsequência dos temas. O que não retira de todo a experiência em si, o modo de expôr uma ideia, de arquitectar um esboço e explorá-lo até aos limites. Por vezes, é com uma certa dose de risco, na diferença, que se obtém algo para a prosperidade, algo que marque e contribue para a evolução do cinema (aqui na relação estreita com o teatro). Pelo menos que o distinga da panóplia de repetições, sequelas e afins que o conduzem sempre ao mesmo.

Por outro lado, Twelve Angry Men ou Who's Afraid of Virginia Woolf? são fatias do mesmo bolo, tiradas há bem mais tempo e acabando no final por agradar mais. No caso de Carnage, fica somente (atendendo ao potencial) um bom filme e um louvável esforço.


Jorge Teixeira
classificação: 7/10

17.8.12

Bandas Sonoras (1)

Rio Bravo (1959), Howard Hawks


A música no cinema de Hawks assume um papel preponderante, decisivo. É na sua passagem que as relações dos personagens dos seus filmes se desenvolvem, se cimentam. É através desta ferramenta, integrada na realidade própria da narrativa, que o argumento se demarca, se aprofunda e se reflecte nele mesmo. No caso de Rio Bravo, e deste(s) My Rifle, My Pony and Me & Get Along Home Cindy, Cindy, o tiro atinge o alvo em cheio e sem margem para dúvidas - dos mais belos momentos vindos do faroeste americano.

11.8.12

Psycho (1960)

Psico, Alfred Hitchcock


Imagino, porque só posso imaginar, o fascínio que o filme deve ter provocado às pessoas que o visionaram a quando da sua estreia. Um verdadeiro privilégio, não só por ser um clássico e um marco nos dias de hoje, mas também no que toca à sensação única de abarcar todo o suspense pela primeira vez. Suspense e tensão, porque realmente, são a matéria-prima aqui. Mais do que nunca, é desarmante, esse sentimento de impotência e total descontrole do que acontece, do que se sente, ao ponto de não se saber, por meio de nenhum artifício (banda-sonora, continuidades, lógicas, etc.), para onde a história se vai desenvolver a seguir. Não que isso aconteça sempre (a narração existe e o desenvolvimento das personagens também), o facto é que nada é ao acaso, nada é fortuito e por isso previsível e aborrecido.

Rodam as personagens (e rodamos nós com o rumo dos acontecimentos), e a imprevisibilidade está lá outra vez, incisiva, poderosa e fracturante. Trata-se de um filme de terror, e ao contrário do que possa parecer, o preto e branco reforça-lhe esse estatuto. A ausência de cor e ao mesmo tempo a sugestão frequente dela mesma (a icónica cena do "duche" é um exemplo, com todo o sangue a ser mais sugerido e interiorizado do que propriamente mostrado), confere a todo o ambiente e ao enredo o ritmo pulsante próprio do género. Reflectido, por sua vez, em última (e primeira) análise na destreza da montagem, na excelente banda-sonora, e na força das várias interpretações, todas elas destacáveis.


Por um instante esquecemo-nos ou distraímo-nos (imersos que estamos), e lá está outra vez a mestria a funcionar, aquele movimento de câmera (a nossa visão, a visão de Hitchcock) estonteante, criativo, e eficaz acima de tudo. Alguns enquadramentos são igualmente dignos de profunda admiração. Destaco um, aquele que, porventura, será o mais famoso e simbólico até hoje - o plano final com o "revelado" ou "enigmático" Norman Bates. Fabuloso, a rematar toda uma experiência, no mínimo, recompensadora. Enfim, dizer mais será sempre pouco, um filme para ver e rever.


Jorge Teixeira
classificação: 10/10

8.8.12

La Vita è Bella (1997)

A Vida é Bela, Roberto Benigni


Após assistir ao filme fico mais do que rendido, maravilhado com a nossa existência e liberdade. Coisa preciosa essa, de andarmos pela calçada livre e espontaneamente, sem nos preocuparmos com os nossos actos e as nossas reacções. Se há coisa que se fica a pensar depois de se ver o filme, é o nosso papel dentro de uma comunidade, de um grupo de seres sócio e culturalmente dependentes uns dos outros, a tal ponto que sem o amparo do ombro amigo a nossa "finalidade" esvai-se, resume-se sem qualquer sentido.

Guido, o protagonista de toda a história, carrega esta mensagem, esta carga de emoções, às costas o tempo todo. Carrega a comicidade e a deambulação novelesca de um amor tão infantil e puro, que é enternecedor assistir, até à brutal coragem e determinação, só alcançada por um grande sentido de paternidade. 


Não considero o filme, apesar de tudo, um portento de genialidade, sobretudo no quadro da realização, da profundidade que os próprios planos poderiam e deveriam ter alcançado, mas não deixo de reconhecer que por vezes não é necessário ser ultra-mega-super perfeito, técnica ou artisticamente falando. É preciso, isso sim, e invariavelmente quando se tenta passar uma ideia, uma mensagem, ser verdadeiro, sincero e sem pretensiosismos. A A Vida é Bela consegue-o, na minha opinião, de forma exemplar. 

Acrescenta ainda o facto, confesso, de pessoalmente e por estas andanças, o que mais me motiva é o arrebatamento, é a sensação, por vezes ilusória, de perfeição. Destaque final para a espontaneidade das representações e para a genuína banda sonora, que só transcendem mais o quadro. Uma história impressionante, bem contada, que dentro dos supostos objectivos a alcançar, ultrapassa-os simplesmente.


Jorge Teixeira
classificação: 10/10

Partida


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