30.10.12

Citações (2)

The Ox-Bow Incident (1943), William A. Wellman


Gil Carter"My dear Wife, Mr. Davies will tell you what's happening here tonight. He's a good man and has done everything he can for me. I suppose there are some other good men here, too, only they don't seem to realize what they're doing. They're the ones I feel sorry for. 'Cause it'll be over for me in a little while, but they'll have to go on remembering for the rest of their lives. A man just naturally can't take the law into his own hands and hang people without hurtin' everybody in the world, 'cause then he's just not breaking one law but all laws. Law is a lot more than words you put in a book, or judges or lawyers or sheriffs you hire to carry it out. It's everything people ever have found out about justice and what's right and wrong. It's the very conscience of humanity. There can't be any such thing as civilization unless people have a conscience, because if people touch God anywhere, where is it except through their conscience? And what is anybody's conscience except a little piece of the conscience of all men that ever lived? I guess that's all I've got to say except kiss the babies for me and God bless you. Your husband, Donald."

28.10.12

C'era una volta il West (1968)

Aconteceu no Oeste, Sergio Leone


Era uma vez no Oeste, ou Era uma vez O Oeste, título e tradução do inglês - Once Upon a Time in the West, por sua vez traduzido do original C'era una volta il West - mais correcta e, sobretudo, mais fiel à essência do filme e ao conceito inicial criado. Para o português chega-nos a tradução Aconteceu no Oeste, que provém e insiste no erro do homónimo título inglês, e que pouco nos diz sobre a película de Sergio Leone.

Aconteceu no oeste, como poderia ter acontecido a nascente, passe a ironia, remetendo-nos, à partida, para mais uma história no velho Oeste Americano, que na certa se destacará por um vilão mais carismático ou por um par central mais romântico que nunca. E é assim que idealizamos o filme, se nos restringirmos apenas ao título do mesmo e não olharmos para o verdadeiro (e único) título - o original, o italiano, o tal que nos anuncia a queda de algo, o declínio de anos vividos ou o derradeiro fim de um estado e de um sistema de costumes.


Ainda mal nos aconchegamos no nosso lugar para a sessão, já estamos desaconchegados, digamos, perante o silêncio e a tensão estrategicamente desenvolvida à nossa frente. Tudo se desenha com tamanho detalhe e minúcia que os próprios minutos parecem não avançar. Estamos, pois, num cenário à parte, acabamos de aterrar num local distante - uma estação - incaracterística e, à falta de melhor, ficamos também à espera que o comboio chegue, seja lá o que isso for, ou o que isso nos traga, melhor dizendo. Acção, pistolas e tiroteio, inevitavelmente, mas estranhamente, na medida em que nada sabemos sobre os protagonistas da cena em questão, apenas que um suposto ajuste de contas está inerente. Culminamos, desta forma, no expoente de uma cena que terá todos os motivos para lhe tecer rasgados elogios, desde os ângulos e enquadramentos arquitectados ao pormenor, até à montagem sequencial e harmónica que potencia as personagens e o poder da antecipação, como ainda por um trabalho notável de sonoplastia. De génio, e é dizer pouco.

Introduzida que está uma das personagens principais (a que sai ilesa do confronto), seguimos para outra, e do suposto herói passamos para o vilão, tal como da estação passamos para o campo. Agora, por terras "ainda" longe do tão próspero caminho-de-ferro, seguimos outras pessoas, aqui não um bando ou uma gangue, antes uma família, e portanto, o retrato de hábitos diários, que ao que parece não tão diários quanto isso - é evidente que se está a preparar alguma ocasião especial. As poucas palavras indiciam isso mesmo e o silêncio mais uma vez adensa-se, voltando a fazer das suas. Estamos, então e novamente, com a tensão lá em cima e preconizamos algo, desta vez mais forte, quiçá mais preponderante para a história. E, nada acontece. Mau sinal. Sinal de que não acabou e que virá mais, e aí sim para devastar, para introduzir o propósito e o cerne de toda a trama. É senão, o mau da fita e os seus desígnios. Está encontrado, pois, o vilão, o adversário, e os opostos estão preparados para se começar a atrair.

Tudo o que virá a seguir se desenhará sob os mesmos contornos e sob a mesma mecânica episódica de filmar. E é dessa mecânica, dessa matéria-prima que o filme se faz, marcado que está agora o ritmo. A comprovar essa tendência estão as duas cenas seguintes que apresentam mais dois protagonistas: a personagem feminina, que confere a elegância e o balanço emocional precisos e cirúrgicos, e a personagem carismática, por assim dizer, aquela que acrescenta a descontração que o filme equitativamente possui, tantas vezes necessária para assentar e retemperar forças. As referidas cenas são muito bem filmadas, para não variar, e à semelhança das anteriores dão primazia às expressões, aos olhares, ao tempo como personagem (mas sem pressas), respirando quase sempre nas entre-linhas. O folgo ou a descompressão acontece porque há silêncios, mas também e principalmente porque a música se intromete, de uma forma brutal e emocionalmente fracturante.


Posto isto, as personagens principais estão apresentadas e perfeitamente definidas (em desempenhos exemplares a propósito), mas ainda por explorar. Ao longo do filme, a circulação das mesmas se dá consoante o próprio argumento as convoca, equilibrada e proporcionalmente, assim como a banda sonora surge aliada aos protagonistas e ao contexto presente (não será a faixa correspondente a Jill das mais belas de sempre?). Existe, pois, como que uma sequência de capítulos construindo a história, uma sequência de sub-narrativas paralelas (e perpendiculares) que, eventualmente, se cruzarão e culminarão de vez no desenlace final, sempre numa cadência certa e doseada quanto baste.

Para além disso, pode-se dizer que tudo o resto está, de igual modo, ao mais alto nível, desde a fotografia, perfeita no retrato interior de uma América desértica, até a uma cenografia de um primor extasiante, bem como ainda por uma banda-sonora do melhor que Ennio Morricone nos deixou - a beleza e a versatilidade das músicas estão, como já foi dito, na correspondência que existe entre protagonistas e determinadas faixas, ao ponto de marcar e imortalizar cada plano e cada cena. A realização é, nesse sentido, também ela genial, sempre atenta à mensagem por de trás tanto quanto sensível às linguagens, ora no detalhe, ora na fruição e contemplação de panorâmicas. Dentre inúmeros planos fabulosos e potencialmente com muito para analisar, destaque especial para uma das cenas finais, em analepse, em que tudo se mexe, tudo faz parte da orquestra e contribui para a realização atempada, crescente e apoteótica de uma revelação e posterior duelo final a todos os níveis extraordinários e deveras prodigiosos.

No trabalho de montagem e no departamento de som o assombro continua, já referido particularmente na cena inaugural, pelo que mais uma vez encontramo-nos perante um verdadeiro exemplo de perfeito encaixe entre tudo o que constitui um filme, no caso enquadrado e mantido em quase três horas de duração, mas preparado para mais se tal fosse pertinente, tal o encadeamento e lógica perceptíveis.


Sergio Leone brinda-nos talvez com a sua melhor obra, pelo menos no que a valores estéticos e artísticos dizem respeito. Se é notória aqui uma forte influência dos westerns clássicos americanos, de que John FordHoward Hawks, Anthony Mann, entre outros, fazem parte, também associamos o próprio sub-género spaghetti (ao qual este filme pertence) como o factor preponderante e a principal influência para ingerir a audácia e uma nova identidade que, não raras vezes, vinha a faltar aos clássicos do género maior.

Por outro lado, a evolução desde A Fistful of Dollars (do mesmo Leone) é evidente, dando a sensação que o cineasta se foi completando e ambicionando a cada novo projecto um voo maior. Um pouco como Tarantino fez (e vem fazendo) anos mais tarde, realizador que sofreu imensa influência destes westerns à italiana, e sobretudo, do mestre citado.


C'era una volta il West contém, deste modo, tanto por onde depurar e apreciar que é absolutamente delicioso e refrescante, sendo que tem sobrevivido (e se elevado) com o passar do tempo, nunca se esgotando às primeiras visualizações. Há sempre mais qualquer coisa por ver, por descobrir e por degustar outra vez. A mensagem subliminar também é ela mais que pertinente e marcante na época que se insere a narrativa - o início do fim do Oeste, tal como o conhecemos de então, destruído pelo progresso, pelo dinheiro e pelo poder invisível.

Diria que esta obra, acima de tudo, condensa e homenageia o western em si, ou o estilo nas suas várias correntes, como nunca antes se tinha feito. Artisticamente falando, o filme extravasa qualquer género e sub-género (ainda que se inserindo neles), tal como ultrapassa referências e estereótipos vincados em várias décadas, destacando-se mesmo como um dos melhores filmes jamais realizados. Obra-prima.

"Do you know anything about a guy going around playing the harmonica? He's someone you'd remember. Instead of talking, he plays. And when he better play, he talks."
Cheyenne


Jorge Teixeira
classificação: 10/10

27.10.12

Entradas e Saídas (1)

Shane (1953), George Stevens


Existe em Shane um ciclo, uma história que começa e acaba, um princípio, um meio e um fim (como mandam as regras convencionais de uma narrativa). Ao raiar do dia, Shane, o homem, entra em cena para introduzir-nos o conto, para agitar e baralhar aquela família, mas também, e principalmente, para dar uma ajuda às necessidades patentes do quotidiano. O tempo passa, os minutos avançam e a acção desenrola-se. Ao pôr do sol, Shane, o homem outra vez, sai de cena para fechar o livro, para terminar um capítulo com aquelas pessoas, e para não se prender, e prender os outros, à sua presença e irreverência. Sobre o mesmo cenário e sobre o mesmo enquadramento se completa um ciclo, e se faz um filme.

26.10.12

TCN Blog Awards 2012: Nomeados



O Caminho Largo está nomeado a Melhor Novo Blogue de Cinema/TV nos TCN Blog Awards 2012, uma iniciativa do blogue Cinema Notebook, na sua já 3ª edição oficial, que permeia todos os anos blogues e sites nacionais de cinema e televisão. Para além desta nomeação, inesperada a propósito (este espaço é ainda tão recente e tão embrionário), mas não menos desejada e gratificante, o blogue também está nomeado, em meu nome, na categoria Melhor Crítica de Cinema, com a crítica ao Dersu Uzala, de Akira Kurosawa.

De destacar ainda o meu envolvimento em duas iniciativas conjuntas que foram igualmente nomeadas na respectiva categoria Melhor Iniciativa, de seu nome Cinema Blogger Awards (no qual sou jurado) e Filmes que toda a gente gosta, mas eu não do blogue Cine31 (no qual fui participante).

Resta-nos agradecer aos que nos elegeram e que, portanto, apreciam o que aqui é escrito e publicado, e garantir o mesmo entusiasmo, interesse e regularidade em partilhar o nosso caminho e escrever sobre esta arte tão bela e fascinante. Entretanto, aconselhamos a ida ao blogue que organiza tamanha iniciativa e que por lá confiram todos os nomeados e categorias - certamente descobrirão excelente material para agradáveis e sérias leituras, bem como espaços de estatuto e referência inquestionáveis. E já agora, não deixem de votar no vosso preferido, que caso seja este blogue basta seleccionar as opções Caminho Largo e/ou Dersu Uzala. Obrigado desde já. Para votar e para mais informações dirijam-se ao Cinema Notebook (as votações encontram-se na barra lateral do mesmo).

Jorge Teixeira e Pedro Teixeira

20.10.12

5 Grandes Filmes de Terror (3)


Psico, Alfred Hitchcock

The Texas Chain Saw Massacre (1974)
Massacre no Texas, Tobe Hooper

Halloween (1978)
Halloween - O Regresso do Mal, John Carpenter

A Nightmare on Elm Street (1984)
Pesadelo em Elm StreetWes Craven

Saw (2004)
Saw - Enigma Mortal, James Wan

por Jorge Teixeira e Pedro Teixeira

18.10.12

Bandas Sonoras (2)

Raging Bull (1980), Martin Scorsese


Pertencente ao interlúdio da aclamada e famosa ópera Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni, este tema torna-se o elemento chave, qual cereja no topo do bolo, para a derradeira imortalidade e sucesso da obra de Scorsese. Na ausência de banda sonora, a presença desta música como que ainda ressoa, e a cena correspondente inicial perdura até aos dias de hoje, no que será provavelmente uma das melhores entradas de sempre de que o cinema já produziu. Transcendente e de rara poesia.

Por intermédio desta faixa, inserida no início e no final do acto (curiosamente os extremos do seu propósito original), o filme ganha todo um sentido mais uno, cíclico e completo, como uma porta que se abre e que se fecha quando já se contou tudo o que havia para contar, quando uma vida deixa de ter reflexões e memórias que valham a pena partilhar. Arrancamos, assim, de forma fulgurante, e porque não mágica, para uma experiência avassaladora, no seu núcleo fria e silenciosa, mas poderosa que baste e que se exceda, para no fim regressarmos novamente à contemplação e introspecção de uma autêntica lição de vida.

16.10.12

Dersu Uzala (1975)

Dersu Uzala - a Águia da Estepe, Akira Kurosawa


Filme riquíssimo na mensagem, na narrativa, naquilo de que talvez o cinema mais precisa hoje em dia – verdade. Essa verdade é-nos dada através de Dersu Uzala, personagem que dá título ao filme, um homem de idade avançada e de estatura diminuta que vive da e para a natureza, que se movimenta como se da própria estrutura elementar da mesma fizesse parte, o que na realidade até faz. Todo o ser-humano é parte integrante e insignificante de um todo, em perfeita comunhão com o primitivo e selvagem. Dersu é por isso uma personificação de um estado antigo, de uma vivência pré-temporal nostálgica, sábia e experienciada. Tal como ele próprio, com a sua humildade, está constantemente a evidenciar perante a arrogância e ignorância do exército russo e do seu oficial, recém chegados. Facto que este último acaba por perceber passando de imediato a admirar, contrariando assim a tendência, ao ponto de erguer uma amizade sem precedentes e começá-lo a seguir cegamente pelos meandros do desconhecido e da aventura.

Ás tantas, e lá mais para o fim, a situação inverte-se, invertendo-se também o espaço (e o tempo) para os dois protagonistas. A amizade conquistada fortalece-se, mas as motivações, os medos, os prazeres e a rotina trocam de lado e adensam-se, inevitavelmente. Surgem então as dificuldades onde antes residiam apenas facilidades (e vice-versa), demasiado evidentes e desconfortáveis, tão fortes quanto a dureza da personalidade em si, ou tão rígidas quanto a inflexibilidade do orgulho. Tudo se resumirá às mais pequenas e pertinentes questões: estará  Dersu, um homem que respira a floresta e o campo como se de oxigénio se tratasse, preparado para enfrentar o meio Urbano, o meio onde o ambiente é mecanizado, formatado e contido? Ou alguma vez conseguirá um cidadão (como o oficial russo) assimilar tamanho conhecimento e destreza humanas no acto de sobrevivência e subsistência no meio selvagem? As respostas não são simples, nem tão pouco conclusivas perante o que assistimos. Bem patente, no entanto, revela-se a pequenez humana perante a magnitude das paisagens, sobretudo, a selvagem, a mais verdadeira, aquela a que Dersu faz parte e a que o oficial russo (e nós) nos apercebemos como mais poderosa e essencial (ainda com tanto por desvendar).

Trata-se, pois, de um exercício narrativo e didáctico tremendo e muito bem escrito. Kurosawa, num estilo mais poético do que o habitual, conta-nos uma história de amizade, de partilha e de bom-senso, mas acima de tudo, remete-nos para o valor unitário do ser-humano inserido numa escala desmesuradamente superior. É neste contexto que o cineasta também nos conduz para o significado do tempo e da vida, tão efémera quanto a memória dos que cá ficam, dos que se lembram. Valores estes que depois são (re)tratados na sua maioria à distância, em magníficos planos gerais perfeitamente enquadrados sempre com as duas personagens (humanas e naturais), como se nunca tirasse partido apenas de um detalhe, ou da folha da árvore ou do rosto do homem, antes nos mostrando (e não sensibilizando) os acontecimentos, única e exclusivamente. Toda essa imponência fílmica e narrativa nunca é, nessa medida, desviada, nunca se desvirtua, porque invariavelmente aponta ao essencial e logo à profundidade que temas deste calibre requerem.


Soberba ainda a fotografia que completa o quadro e nos brinda com contrastes e luminosidades de paisagens absolutamente deslumbrantes. E se por um lado se pode dizer que este é um filme sobre a natureza, sobre a dualidade entre o natural e o artificial e sobre a noção de escala entre o Homem e o meio-ambiente, por outro, é acima de tudo um filme que nos transporta para a autenticidade e para a amizade na relação entre os seres-humanos, no caso de duas pessoas tão diferentes social e culturalmente, o que é extraordinário e simplesmente maravilhoso.

"How can man live in a box?"

Crítica nomeada em 'Melhor Crítica de Cinema' nos TCN Blog Awards 2012


Jorge Teixeira
classificação: 9/10

11.10.12

Citações (1)

Ben-Hur (1959), William Wyler


Sextus: You can break a man's skull. You can arrest him. You can throw him into a dungeon. But how do you fight an idea?
Messala: Sextus, you ask how to fight an idea. Well, I'll tell you how... with another idea!

7.10.12

5 Grandes Filmes de Terror (2)


The Innocents (1961)
Os Inocentes, Jack Clayton

Repulsion (1965)
Repulsa, Roman Polanski

The Shining (1980)
Shining, Stanley Kubrick

Videodrome (1983)
Experiência AlucinanteDavid Cronenberg

História de Duas Irmãs, Jee-woon Kim

por Jorge Teixeira e Pedro Teixeira

6.10.12

Full Metal Jacket (1987)

Nascido para Matar, Stanley Kubrick


Tudo na guerra é ridículo, é estapafúrdio, desde a fase de recrutamento em que se transformam homens singulares e conscientes em máquinas vulgares e básicas, até à fase da acção, do confronto bélico entre nações e entre seres ética e moralmente iguais. Kubrick condena isso, e com este filme tenta-o demonstar, talvez como nunca - a estupidez de todo este processo de matar e destruir a natureza e a própria humanidade.

O filme divide-se em duas partes, sendo a primeira a tal do recrutamento, em que os soldados são preparados e treinados para encarar o que se seguirá como inevitável e essencial. O homem desfigurado num monstro, num ser sem consciência e sem identidade. Na prática, é induzido a agir como se de uma criança se tratasse - nasceste para matar e para evitares seres morto, mas terás de ter fé para sobreviveres (passe o ironismo e a contradição), unicamente para continuares, outra vez, a matar. Portanto, a cruz, levada ao peito, é o veículo para não perder a esperança de forma a alcançar a tão desejada paz, tal como o capacete, no qual está escrito "born to kill", é o chamariz e a motivação para matar sem dó nem piedade. Mais incongruente que isto não sei o que será, de tão grave e ingénuo que é. Daí a infantilidade imposta e apre(e)ndida ferverosamente na fase de recruta, às custas de muito treino e disciplina (des-educação).


Numa segunda parte, seguimos os soldados já inseridos na acção, imersos nas tácticas e técnicas da guerra. Todo o vocabulário e o comportamento é, pois, ponto assente, está assimilado. O inimigo é o objectivo e o alvo a atingir, assim como o companheiro do lado é sagrado, é a única réstia de amizade, de valores e de humanidade que existe dentro de tais monstros. Pode-se brincar, desanuviar e até cantar, mas o cenário é de destruição, de fogo, e por isso nunca esquecível. 

Este mundo é, senão, terrivelmente simples, quais crianças - ou se está a matar, ou se está a conviver com os camaradas, ás vezes as duas coisas em simultâneo, mas sempre em convivência uma com a outra, como se ambas se pudessem sequer conjugar. Não há aqui, apesar de tudo, grandes responsabilidades, porque essas vêm de cima, das autoridades que controlam e manipulam estes verdadeiros peões no campo de batalha.


O drama é, deste modo, procurado e eficazmente transmitido, mas de forma algo satírica. Kubrick é exímio nesse retrato hilariante e nessa capacidade espirituosa de fugir a qualquer tipo de estrutura tipificada e clicherizada do sub-género (à data tão recorrente). Nesse sentido, a abordagem é invulgar, sendo a câmera interventiva e incisiva ocasionalmente, como se ela própria procurasse os segredos e as vergonhas por revelar, aqueles cadáveres que ninguém se quer lembrar, mas que estão lá, que aconteceram (o final da primeira parte alude a isso mesmo). Ainda no encalço da câmera se obtém alguns enquadramentos destacáveis, na evidência do seu propósito, dando a sensação que o realizador quer, de vez em quando e em pontos-chave, gravar-nos determinada ideia ou ilação sob um contexto perfeitamente delineado e assimilado.

Há cenas, igualmente, de absorver de tão marcantes que são (como aquela em que vemos os próprios soldados a filmar e a distribuir papéis uns aos outros em pleno tiroteio e ao som da faixa "Surfin' Bird"). Estas, invariavelmente, estão muito bem acompanhadas, seja ao som da excelente banda-sonora seleccionada, seja ao som de todo o ambiente recolhido e trabalhado, na alternância rítmica e ponderada entre ruídos e silêncios. Daí que a acção e o seu protagonista (que vai variando), assumem o controle total cena após cena, que por meio da realização, sobretudo dos travellings (estilo videojogo), nos vão induzindo para dentro das tácticas e das emoções, ao ponto de nos apercebermos da irrelevância e do absurdo de tudo isto, de toda a guerra em si. E é desta forma que Stanley Kubrick fornece a sua visão, exemplificada, neste caso, no Vietname, mas acima de tudo, na nossa consciência.

"I wanted to see exotic Vietnam... the crown jewel of Southeast Asia. I wanted to meet interesting and stimulating people of an ancient culture... and kill them."
Private Joker


Jorge Teixeira
classificação: 9/10