2.12.13

2001: A Space Odyssey (1968)

2001: Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick


Deus quer, o Homem sonha e a obra nasce. Será o repto ou o desejo máximo de uma Pessoa, dos mais recônditos cantos de sua alma, do seu ânimo, porém apenas e só alguns, raros, terão a remota capacidade de alcançar tamanho êxito ou conquista especial. Stanley Kubrick pertence certamente a esse restrito grupo de fenómenos intemporais. Um iluminado, um visionário e um artista, na verdadeira acepção da palavra. Deu-nos, em primeiro plano e não levitando para já da realidade, aquilo que tão simplesmente procuramos nestas andanças - arrebatamento, vibração e, sobretudo, dúvida. Esta, aliás, de que o objecto parte e se estende, sendo que termina sem nunca a dissipar ou sequer a desmembrar, restando por isso sempre, em toda e nova ocasião, algo que a redescobre, a recria e a alimenta na duração desta voraz experiência que, com efeito, se dissimula em incertezas e incessantes oscilações, e vice-versa.

Em segundo plano, face então ao cepticismo e à tentação e à imaginação induzidas, está-se literalmente noutra dimensão, mítica, filosófica e obscura, de tão avançada e sedutora que se apresenta. Um milagre do criador, aqui um verdadeiro fundador se atendermos à reinvenção da ficção-científica enquanto género cinematográfico, numa obra megalómana que decididamente ultrapassa os limites do tempo e da percepção humana. Deus quis deste modo, assim o Cinema o ansiava, o Homem sonhou, Kubrick transcendeu-se e a obra nasceu - 2001: Odisseia no Espaço, datava o ano de 1968, estava então entre nós e as estrelas, definitiva e obstinadamente, qual fragmento meteórico ou diamante em bruto que teima em ser riscado mas que risca tudo e todos, sem medo, sem sossego e com prazer e consciência, para o bem ou para o mal, do seu egoísmo e estímulo simultâneos.


Ouve-se um ribombar, ao longe ecos primitivos, sente-se o prelúdio, a génese entre matéria e imaginário, o nascimento da vida. O engenho ajeita-se, o funcionamento é despertado e o círculo toma conta do arco narrativo que se começa a desenhar em constantes desvanecimentos. O Sol e a Terra, a estrela e o nosso planeta, perfeitamente alinhados, absolutamente enquadrados, dão o mote para uma odisseia mais simbólica e ornamental que descritiva e compreensiva, e que disfarçada, (inter)calada e pausadamente se supera a si própria, numa clara (sente-se desde logo) metódica convergência e concorrência entre luz e sombra, entre palavra e som, entre melodia e volume, entre imagem e cor, ou entre representação e movimento. Uma autêntica nascente de nuances apreciativas e interpretativas que se principia a desvendar, para, em ultima análise, se chegar à conclusão da nossa manifesta falta de domínio sobre o universo e o abstraccionismo complementar.

No alvorecer da humanidade, o início da vida é como uma rocha ainda por se degastar, por se polir e por se definir, pelo facto de que a experiência, essencial, ainda está por adquirir. As pré-existências, a história e o conhecimento empírico podem facultar e instigar à evolução animal e à adaptação ao meio envolvente, tão natural quanto impressionante - o crescimento, a mudança ou o desenvolvimento são sempre etapas estimulantes - mas o que é certo é que de algum modo existe frequentemente no processo, e no progresso, um persistente efeito misterioso e extra-ordinário (extra-terrestre), que teima ora em esconder-se, ora em aparecer.

Portanto, se me é permitido deduzir, a aprendizagem, e logo o avanço corporal e intelectual, não se confinam unicamente ao concreto e ao perceptível, pressentindo-se quase sempre algo mais, em maior escala e segundo outra dimensão, quem sabe a sua oposta direcção? Provavelmente, no fundo não mais que a perspectiva do oculto, do desconhecido, a mesma que Kubrick se apercebe e se apronta a nos indiciar e a nos provocar, leia-se o vulgo e impossível monólito, um paralelepípedo tumular, estático, rectilíneo e negro, como o infinito, que surge e (com)parece cirúrgicas vezes, conforme o presente (o dedo indicador) assim o designe.


Num primeiro tomo ou decisão, introduz-se o berço, as fundações, com a visão da premonitória espécie de símio, os macacos (os antecessores mais próximos, quiçá os mais pertinentes), que às tantas influenciados e posteriormente manipulados pela vigia e controle do referido monólito (sobre-natural) são levados, compulsivamente, a descobrir o poder ofensivo, o combate, a arma de arremesso ou o chegado (e distante) osso, o instrumento basilar. Na prática, a descobrirem-se a eles mesmos. Importante revelação esta que somos dados a (re)ver, porventura uma das mais icónicas de que há memória, altura em que os nossos antepassados finalmente constatam o valor do ataque, da guerrilha, da força da destruição e, logo, da construção, moldagem e planeamento aderentes. Enorme capítulo do período anterior ao domínio do maior primata, o primata superior, o definitivo ser ascendente dos hominídeos e do próprio Homo sapiens. A sabedoria, impulsionada com um incremento incógnito, a consumar assim a sua energia e o seu papel no curso da ainda tão curta história do Homem.

Numa segunda ocasião, tem-se nova investida do estranho, mas não menos atraente, monólito, a fazer novamente das suas e incutindo, em déjà vu, a correspondente atmosfera sombria e enigmática, quando mais uma vez nada assim o previa. Nesta fase num campo, em anos e em metros, diametralmente longínquo (e de maior escuridão) - a superfície lunar, a nossa Lua. Nitidamente uma opção racional, oposta e discrepante, e que assenta no tecto e no horizonte controversos e, por tudo isso, ilimitada, se compararmos com a anterior decorrida na pré-história. Tempos ou momentos antagónicos, mas ambos antecedentes de uma alteração (ou alternativa) de natureza inspiradora. As dúvidas, essas persistem, assolam os então exploradores ou astronautas das estações espaciais (num ambiente deveras sofisticado e vanguardista - o design, a decoração e a valsa), de tal forma que uma missão é despoletada e idealizada com o intuito de resolver tamanho mistério ou, espera-se, a promessa de maior conhecimento do que nos rodeia universalmente, e a partir daí do que nos afronta interiormente.

A inteligência humana a projectar também deste modo a inteligência artificial e, pelo caminho, a se consciencializar dos benefícios e das consequências que poderão ou não resgatar com a sua exploração e a sua implacável (contra-)reacção, aqui talvez mais inesperada que o prognosticado, não fosse estarmos perante uma máquina que supera o seu intento e que terá assim a legítima avidez de se libertar e de se realizar artificialmente (e pessoalmente?). O real e inevitável cumprimento da estrutura na familiar "árvore genealógica" em que o sucessor (hesitantemente) suplanta o seu mestre, o seu inventor, ou, melhor, o ultrapassa apenas para se deixar dobrar uns metros mais à frente, numa longa-metragem hipoteticamente periódica e de sentido orbital, qual corpo celeste em permanente giratória. Não será o espaço, sem gravidade e sem fim, onde tudo se ensaia e se perpetua (solos que se convertem em paredes, horizontalidades que se confundem com verticalidades), um cenário ajustado e favorável, ou até o ideal, para esta problemática? É garantidamente tão incerto e tão provisório quanto as vicissitudes da existência e do tempo, e contra-tempo, em si.


Até aqui, duas aparições do monólito, o ex libris da jornada, e dois momentos distintos da nossa (suposta) evolução, o passado e o futuro. No meio, não ficou esquecido, o mais austero raccord que o Cinema já concebeu e o maior lapso histórico jamais contado, excluído ou sugado narrativa e visualmente ou, mais importante, jamais vivido em linguagem cinematográfica. Por certo, este é um dos instantes mais famosos de que se tem conhecimento, e diga-se, totalmente meritório, o qual é materializado no lançamento de um osso por parte de um (vulgar) macaco (na tal descoberta do poder da transformação, do nosso poder) e do corte do mesmo em pleno ar, no céu, no firmamento, sem aviso e sem antecipação, para, note-se, um salto temporal (e espacial) de milhares de anos, que nos transporta somente para o angustiante vazio do cosmos, do nosso sistema solar. Do osso à nave (ou se quisermos, à caneta, presente nesta última), os respectivos topos de gama do seu tempo. Uma fulminante (e ultrajante) viagem, assim, sem mais nem menos - de quebrar o mais insensível espectador. De uma potência e influência a todos os níveis brutal e, refira-se, capital.

No fundo, assume-se que o corte, e a elipse entre planos na montagem, representa um brusco intervalo que propositadamente nos devemos esquecer, uma pausa que na verdade não necessitamos, ou noutro sentido, um simples parêntesis que omite toda uma informação descartável, adicional e explicativa, que a ver bem (já) está lá, sabemo-lo, vivemo-lo, reconhecemo-lo (à nossa imagem), para se focar apenas no essencial, naquilo que importa aqui fundamentalmente destacar, dissertar e divagar - a nossa profunda ignorância e lucidez aleatórias e alternadas - nos ambientes mais transparentes e habilitados a tal - a origem e o destino, a certeza de um território e a expectativa de um rumo, ou, enfim, entre o que conhecemos, mas não imaginamos e o que aspiramos imaginar sem no entanto conhecermos.


A odisseia progride, geometricamente enquadrada, virtuosamente filmada, musicalmente acutilante, e, sobretudo na segunda metade da película, silenciosamente captada, numa cadência por demais vagarosa, ciente e evidente e, porque não, triunfal. A busca por respostas continua espaço fora e espaço adentro (o misterioso monólito perdura na consciência), rumo a Júpiter, suposta luz ao fundo túnel, sem, contudo, no trajecto evitar alguns percalços ou situações menos esperadas, digamos, em especial de onde não se adivinhava, de onde mais se tinha confiança e segurança. Um autêntico quid pro quo, uma reviravolta de 180 graus (mais tarde de 360), que coloca o Homem refém do mecanismo, aqui supercomputador, o célebre HAL-9000, e o torna completamente impotente e, nos primeiros minutos, incapaz de reverter os acontecimentos, leia-se a morte que tem de encarar entre colegas de expedição, para mais no eterno infinito, na escuridão total.

Em seguida, as posições invertem-se e a direcção lá se alinha, a custo e a contrafeito bem entendido, e apenas com recurso à (única) vantagem que o ser-humano ainda possui sobre o software - a emoção e o instinto de sobre-vivência (porventura a memória e o esquecimento), acima até de qualquer tipo de hardware. O que nos diz nem muito nem pouco, diz tudo em relação a esta dicotomia entre senso e razão e sentimento e reacção (e ainda que ambos os lados demonstrem argumentação ou sentidos inversos e aquele "olho" de HAL nos denuncie algum avanço ou maior conhecimento, traição, laivos de emoção, ou, tão só, os primeiros passos para uma mutação, para um legado da nossa ambição). Fica, adicionalmente, nova dúvida, certeira, imperial e incomodativa.


Agora numa demanda solitária e a caminhar para a recta final na circunferência do espaço sideral, no ritual do sistema solar e na ordem do universo, o envolvente altera-se e as circunstâncias camuflam-se, remetendo todo o âmbito circundante às mais eloquentes e delirantes visões. Um espectáculo alucinante, anestesiante e totalmente alienado de lógica ou compreensão pelo que se está, incredulamente, a assistir. Luz, cor e agitação tomam conta do quadro, do campo material, tangível ao observador, tal como o vento, o aroma e o tacto que sentimos são perfeitamente aceitáveis e credíveis, dado a comunhão que é impressa com o espectador, e por inerência com o protagonista, verdadeiro veículo do passeio e do deslocamento espesso e acelerado que, todos juntos, atravessamos até um extremo oposto. Que mais dizer desta particular corrida contra o tempo? Desta extravagante entrada, o salto para as estrelas, para lá do infinito, que mais parece um portal encantado e divinal para o então satélite e gigante monólito alcançado? Só Kubrick para nos rematar deste modo uma experiência por si só já marcante e recompensadora.

A interpretação de tudo o que se segue, de tudo o que é somado, subtraído, multiplicado ou dividido (e potenciado ainda com a presença, outra vez, do monólito), ou em suma calculado no nosso espectro ocular e sensível, é, pois, demasiado densa e receptível de pensamento ou de exercício mental e cultural, que se torna, a cada nova dedicação (devoção), uma genuína fonte particular e simultaneamente global para a compreensão do humanismo, da vida e da (sétima) arte. É infrutífero e, porventura até contraditório, portanto, a tentativa de completa resolução deste quebra-cabeças ou deste enigma que nos assola assim que nos retorna o derradeiro olhar, provocatório, intimidatório, mas inteiramente fascinante de uma ponta à outra, num novelo que cai (tipo ficha) e que começa desta forma a se desfiar consoante o percurso ou os obstáculos que terá pela frente, leia-se as convicções e as inquietações que pensamos ou não deter, e vir a deter, ou inclusive bloquear, perante a arte, a ciência e a contemplação do dia-a-dia existencial.

Ainda assim, uma possível análise a estas cenas ou a este capítulo da epopeia (porque de poesia tem muito) será seguramente o da imprevisibilidade das acções e do decorrer das respectivas reacções, num permanente jogo de espelhos e de reflexão (e refracção), onde não enxergamos nem uma oitava parte (número redondo) do que presenciamos no então quarto ou salão de estilo bizarro, de tão arcaico e moderno que se apresenta. O tempo e o espaço desordenam-se e embaraçam-se, embaraçando-nos nós também, convertendo aquilo que se estava a seguir em larga medida com a mente num intrínseco devaneio ou entranhado sonho, culminando, provavelmente, num despertar e numa ascensão a uma nova condição em que a quarta dimensão se exprime. O ênfase na viagem e no lugar do Homem no universo, dados os relevantes primeiros passos, e numa colossal e descomunal parábola cósmica, de levar o conceito de vertigem às nuvens, literalmente. A tontura e a sensação de falta de equilíbrio no vasto e negro oceano ganham por conseguinte todo um novo significado e pertinência à luz de tamanhas interrogações (retórica?).


2001: A Space Odyssey enquanto filme (operático) ou enquanto objecto cinematográfico possui também, para além de tudo o que se conjecturou anteriormente, outras qualidades, obviamente, algumas já sugeridas, nomeadamente ao nível da filmagem e da montagem, em que a imagem e a câmera justapõem-se ao diálogo, com um ritmo ora temperado e sereno, ora picante e mordaz, e ao nível da arquitectura dos planos, montados abruptamente como se de um esqueleto se tratasse, tal o seu detalhe, solidez e interdependência. Por demais estratégicos, harmoniosos e angulosos - a diagonal entre as linhas ortogonais, ou sobretudo o círculo, a rotação, sempre e outra vez, entre eixos de translação impõem um sentido perspéctico e de profundidade assaz inovador - de resto como é condição privilegiada e recorrente do seu autor.

Há amiúde inúmeros casos em que o enquadramento se comporta rigorosamente em consonância com o seu significado ou simbolismo implícito e se revela, pois, radioso, de nos comprometer instintivamente com o mesmo e com toda a repercussão que daí resulta. Desde o já referido plano do osso, que perfaz o ajuste (raccord) para o plano da nave, fluindo este depois num bailado entre câmera e personagens em perfeita circulação e respeito com a música presente, até ao último plano de uma secreta criança a contemplar o planeta Terra, o mundo, num limite e princípio coincidentes de uma outra história, a próxima, a que, por agora e para já, não nos concerne, aliás, em parte como todo o filme.

De destacar ainda, isoladamente, a banda sonora, na composição e orquestração de toda a imagética sensorial e interpretativa e no batimento ou na pulsação, arrebatadora, da ponderada selecção de música clássica (os temas Also Sprach Zaratustra e The Blue Danube de Richard e Johann Strauss, respectivamente, são eternos), que não raras vezes nos oferece um autêntico júbilo e deleite pelo que se está a ouvir, a ver e a dançar em sintonia, ou, em conjunto, pelo que se está a vivenciar, tão simples e naturalmente. Quando o silêncio e o som (e a respiração), apenas e só, substituem a banda sonora, é por dotes e definições próprias, não fosse o espaço, infinito e imensurável, a estrada e a paragem obrigatória para estes sóbrios passageiros.

Por outro lado, os efeitos especiais, a fotografia e todo o restante departamento técnico (e a tecnologia atingida) estão igualmente num patamar superior, ao rubro, se assim se pode dizer, pelo que não existirá, pelo menos à superfície (e dado o deslumbramento imediato e sistemático), nada fortemente a balançar em termos negativos esta transcendente, alegórica, polémica e abismal obra de Kubrick. Naquela que é habitualmente considerada como a obra-prima máxima do Cinema, o filme-charneira e o mesmo onde Deus, o omnipotente misterioso, o "nosso" monólito que vaguei sem fim, terá tocado e imortalizado, ao ponto de influenciar meio mundo, porque, se nos lembrarmos, a outra metade preconizada pelo recém-nascido, ainda está para existir.



Jorge Teixeira
classificação: 10/10

22.9.13

Passion (2012)

Paixão, Brian De Palma


Antes de mais, não há dúvidas, estamos perante um filme de Brian De Palma (de volta à sua melhor forma), desde o seu núcleo narrativo delirante até ao seu formalismo imaginativo. Depois, é evidente que o cineasta pegou (ou roubou) num material já existente (o filme de Alain Corneau) para satisfazer o seu ego, as suas ideias e as suas ilusões, ainda que ocasionalmente disfuncionais e desligadas entre si, mas que no conjunto constituem aquilo a que chamo inequivocamente de peça ou puzzle autoral.

Com auxílios e veículos de luxo (ou serão aviões?) reproduzidos nas duas belas actrizes Rachel McAdams e Noomi Rapace (para além dos secundários ou meros peões masculinos e para além do terceiro pilar feminino, a ruiva, surgido e induzido lá mais para o final), De Palma constrói um thriller de competição profissional (e actual), de enganos e desenganos, de disfarces e metáforas, de jogos traiçoeiros, astutos e silenciosos, onde a ascensão empresarial e a satisfação pessoal estão na linha da frente, custe o que custar, influenciando as simuladas relações e, sobretudo as motivações e identidades. Uma - McAdams - é loura, perspicaz, ousada, invejosa, fria e sedutora, que não olha a meios para atingir fins, outra - Rapace - é morena, ingénua, dependente, insegura e apaixonada pelo seu ofício e pelo namorado da anterior. São as duas peças principais e que, à primeira vista, constituem pessoas diferentes, aparente e profissionalmente compatíveis e eficazes nos seus objectivos. São ambas, na verdade, também inteligentes, cada uma à sua maneira, o que possibilita e nos transporta, com o desenrolar dos acontecimentos e as mudanças de espírito, para a "segunda vista".

Nesta segunda parte, ou mais profunda camada, em virtude da fragilidade das mentiras e dos segredos, os episódios (e os acasos) misturam-se e as personalidades baralham-se (invertendo-se mesmo em algumas características na personagem de Noomi Rapace), o que proporciona a mais que legítima capacidade de De Palma em nos brindar com as suas construções e descontruções na dialéctica argumento e realização, ou imagem e percepção. De facto, o realizador considerado por muitos como discípulo directo de Hitchcock (e como isso é bem visível aqui) consegue a proeza de nos dar imagens, em nada directas, para articular, para pensar, para decifrar e para nos deliciar.

Inicia com uma narrativa ou exploração cautelosa, protegida, provocatória, premonitória e de forte cariz sexual, para ceder o lugar (privilegiado e em primeira fila) a uma trama crescentemente envolvente e enigmática, e psicologicamente perturbante, tanto quanto a liberdade e a desarrumação rotineira assim o permitem e, dado a criatividade do artesão por detrás das câmaras, pois claro, que projecta e exige do espectador tudo e mais alguma coisa, aqui verdadeiro objecto e objectivo focal. Planos oblíquos, contra-campos inventivos, ecrã dividido e subentendido, luz e sombra desfiguradas, movimentos indefinidos, segmentos ocultos, dispositivos propostos e dispostos em estratos (sonhos), e códigos apropriados e invertidos (a tecnologia) são apenas alguns exemplos da mestria da realização e da montagem, perfeitamente egoístas, mas entrosadas, e numa ou noutra cena, com a assistência da (enorme) banda sonora, eficazmente fundidas (todo o acto final à la Hitchcock, por exemplo).

Em suma, quando poderíamos estar a pensar numa longa-metragem desenvolvida unicamente à semelhança da quase primeira hora, dentro dos contornos do erotismo, da hipocrisia e da superficialidade ténues e suportáveis do dia-a-dia laboral (no que constitui apesar de tudo uma boa fluidez excitantemente temperada), somos completamente enganados, como que tiram-nos o tapete dos pés, sem licença, e só não caímos porque, no fundo, até que esperávamos (ou ansiávamos) o rumo que a história acaba por tomar, ou melhor, a direcção (desnorteada) que o jogo mental e espacial palmaniano parece desembocar. Isto sob uma tensão persistente e musicalmente acutilante, e não deixando de realçar aqui, com o devido mérito, a grande presença e prestação de Rachel McAdams, conotativa e sintomaticamente atractiva, que acrescenta e que traduz essa imprevisibilidade e ambiguidade do argumento e que, convenhamos, está garantidamente acima da sua parceira no que ao protagonismo do filme diz respeito. O que até é contraditório e decepcionante, uma vez que a personagem de Noomi Rapace tem mais composição ou mais crescimento e propagação na objectiva do observador presente. Testemunha esta (não mais que nós próprios espectadores) que, no fim e acima de tudo, tanto (pensa que) percebe, como se carrega ao interpretar ou simplesmente se entrega às múltiplas dúvidas existentes (e fabricadas), de que aliás não se livrará mesmo no final de tamanha e admirável experiência. Um filme apaixonante.


Jorge Teixeira
classificação: 8/10

24.5.13

Mystic River (2003)

Mystic River, Clint Eastwood


A cidade como que vive e sobrevive na sua quietude e paciência eternas. As pessoas caminham e se cruzam entre si, preenchendo as ruas, o espaço e os vazios da temporalidade. Na sombra está o rio, o Mystic, que corre sem pressas e sem problemas, sistematicamente, qual cenário belo e fixo. Contempla calmamente o panorama citadino e a vida dos intervenientes da sociedade em que se envolve. Circulando e assistindo ao dia-a-dia, o rio é, porventura, a única testemunha de algumas situações e acontecimentos graves ou preponderantes na charneira que por vezes se desenha à sua frente, incauta e despropositadamente. O rio sabe os segredos mais obscuros, mais esquecidos, e portanto, sabe quase sempre mais que nós, transeuntes e meros peões numa malha que por si só se perde e se emaranha na complexidade da vida.

É neste cenário e sobre este prisma que a história deste filme se desenrola. Divide-se, desde logo, em duas - a primeira, na infância e na inocência própria desta fase. As brincadeiras são muitas, as traquinices ainda mais, e, logo, não será de estranhar que um mero encontro despoletará a mais vil recordação e, infelizmente, a fractura decisiva. Acaso ou não, a situação mudará para sempre a vida dos três amigos, os três protagonistas do filme, à data parceiros inseparáveis. Na segunda parte da história, e transportados anos mais tarde, constatamos que a amizade antes inquebrável se situa agora no limiar entre a memória e o simples reconhecimento. A vida concede voltas, e o seu curso toma direcções díspares, pelo que os três amigos, ainda que vivendo sob o mesmo tecto urbano, assumem posturas e profissões sociais distintas. Os cruzamentos pelo bairro e pela vizinhança revelam apenas e só lembranças e (des)apreço mútuo. A reter, por isso, estará nesta fase, e inequivocamente, a família e o quotidiano que se adensa, pelo que a infância reflecte única e exclusivamente uma nostalgia do passado, vivido sob a alçada do bairro e do rio transversalmente atento.

Entretanto, outro acontecimento se dá, e, uma vez mais, o Mystic é testemunha. Evocando certas memórias, é a partir deste ponto que começará então o mistério e o drama profundamente enraizados e escondidos de há muito. A suspeita, o medo e a incerteza modelam o espaço e, sobretudo, o subconsciente. Como se aquele fatídico dia e o acontecimento consequente nunca pudesse cair no total e absoluto esquecimento. De facto, é evidente, certos traumas permanecem e se demarcam, definindo e construindo identidades e amizades socialmente precipitadas, ao ponto de a confiança dar lugar à acusação e ao desrespeito quando é conveniente. É triste, mas no fim de contas verdadeiro e humano, por mais atroz e cruel que isso possa parecer.

No fundo, três amigos, três adultos e três casais formam a estrutura e a evolução do próprio filme (e da própria vida), sem retorno e sem emenda. Particularmente, determinam a história e o drama presente, que entrelaçado na vivência e na actividade de cada um se desenhará segundo os contornos da personalidade e da crença individuais. Nada resiste à mudança e ao tempo, pelo que o crescimento é inevitável, no bom e no mau sentido, e o que antes era duvidoso e desconfortável, agora pode-se revelar certo e determinante. Ou não, quem sabe?! Aqui, apenas o rio, o Mystic, que é o elo entre as recordações e os acontecimentos presentes, é como que a metáfora das alegrias e das mágoas, as quais aparente e temporariamente ficam submersas, mas que face a actuais tragédias regressam à margem e à superfície com uma brutalidade e crueldade inesperadas. Resta o discernimento, a ponderação e a calma, tão difíceis nestes momentos.


Clint Eastwood, apoiado por uma excelente fotografia e por uma grande banda-sonora, filma o drama numa cadência sombria e policial, e com uma contenção e uma intensidade notáveis. Retrata e explora tanto as nuances psicológicas dos seus personagens, quanto a normalidade e a frieza do quotidiano de um bairro, onde todos se conhecem e onde todos estão, intimamente, prontos a apontar o dedo. Travellings sobre o rio acentuam a sua tal presença assídua, os planos fixos, sinceros e solidários com o argumento demonstram uma opção certa, tal como ainda os ligeiros movimentos de câmera denunciam particulares sequências e momentos fracturantes. A título de exemplo, a cena da revelação da morte de uma personagem e da consequente tomada de conhecimento paternal é tremendamente reveladora deste aspecto. Arrepiante. Grande cena, e a propósito, grande Sean Penn.

Mystic River se assume assim, qual rio profundo, como um dos mais ocultos e intensos dramas da década transacta. De emoções fortes e com uma densidade e profundidade destacáveis, é nas personagens, as tais seis pessoas (em sublimes interpretações), que verdadeiramente se define, ainda que, e sempre, a contenção e a respiração que Eastwood é capaz de sustentar o abrilhante ainda mais. Por tudo isto, resta-nos somente mergulhar na realidade, por mais cinzenta e violenta que ela seja.

Texto originalmente publicado na iniciativa 'O Cinema dos Anos 2000' do blogue Keyser Soze's Place


Jorge Teixeira
classificação: 9/10

11.5.13

A Tale of Two Sisters (2003)

História de Duas Irmãs (Janghwa, Hongryeon), Jee-woon Kim


Desde o início é evidente que estamos a assistir a algo que de básico e de fácil não tem nada, antes pelo contrário, estamos na presença de um processo que envolve mistério e suspense em doses extremamente apelativas. Espécie de enigma, que flui e se enleia, passo a passo, sob um claro manto de desconfiança e desconhecimento sobre aquilo que se vê e se vive temerosamente. Nesse sentido, o filme revela-se bastante desafiante não só pela tentativa de resolução do problema presente, mas também pela realização virtuosa e cativante que se movimenta e se conjuga diante de nós, qual jogo do gato e do rato (às escondidas).

Restringindo-nos à narrativa, estamos, antes de mais, perante uma história ou tragédia familiar, em que cada membro deste escasso núcleo detém uma importância vital. Duas irmãs, o pai e a madrasta são as únicas peças em movimento e em relacionamento constante, de tal forma que as cenas parecem repetir-se, aparentemente, pois na verdade essa insistência vai acrescentando e solidificando as empatias e, sobretudo, as divergências. À medida que se avança na rotina, os confrontos vão-se adensando, em particular entre a madrasta e as (inseparáveis) irmãs, que não alcançam tudo o que testemunham, ora de dia em constantes dúvidas e suspeitas, ora de noite sobre terríveis calafrios e adversidades. Facto preponderante e premonitório daquilo que, cada vez mais, se antevê ansiosamente como (in)evitável.

E é por aí que o argumento é explorado, na surpresa e na alternância entre o visível e o oculto, ou entre realidade e imaginação, em que a ameaça não é física e materializável, antes desconhecida e inquietante. No fundo, o que prevalecerá mais? Aquilo que vemos e receamos antever nos sistemáticos episódios? Ou aquilo que não percebemos e não encaixamos no quebra-cabeças que, crescentemente, se formaliza de frente às protagonistas e ao espectador? Questões dúbias e desconfortáveis, não fosse existir uma certa ambiguidade e surrealismo no próprio filme. Sendo o terror o género mais visado, talvez aqui o efeito fantasmagórico até defina melhor as sensações psicológicas, e não explícitas, que gradualmente são transmitidas. O drama é, contudo, também atingido, pelo que se pode dizer que a película tem mais essa exemplar capacidade, a de atravessar diversos géneros e ambientes sempre de um modo contínuo e diluído o quanto baste.

Cada cena é, então, demasiado importante para o domínio e para a compreensão dos acontecimentos passados, ou daquilo que aconteceu e marcou terrivelmente esta família. Numa total desarmonia entre os membros presentes na casa, todos os passos dados são essenciais, daí que Ji-woon Kim assuma cada sequência como se fosse a última, tal a força e a dinâmica imprimidas nos ângulos e movimentos de câmera. Tal como o simbolismo que é assumido, frequentemente, em cada plano, na cor e na luz, quase como se fossem quadros ou pinturas (a fotografia é destacável) que detêm mais códigos que imagem ou visão propriamente dita. A decifração não se dá, portanto, apenas e só no papel ou naquilo que se interpreta narrativamente, mas também tendo em conta o visual ou aquilo que vemos e reinterpretamos dada a posição e a subjectividade da câmera. Resumindo, há como que diversas camadas de representação e dedução que o próprio argumento possui, e sobretudo, sustenta.

História de Duas Irmãs é, no fim de contas, um parente próximo dos filmes de David Lynch, em que a acção está mais fraccionada que definida ou até estruturada, e em que o factor medo ou o terror, sob uma atmosfera completamente gélida e arrepiante, está bem presente e suportado pela exemplar componente técnica. Se por um lado, é de segredos que o filme vive e subsiste, é, acima de tudo, através do encadeamento deles e da forma como se vão somando (e subtraindo) que o mesmo se torna altamente recomendável. Um exímio exercício formal e narrativo, que acaba por ter na união das duas irmãs a sua verdadeira alma e inteligência.

Texto originalmente publicado na iniciativa 'O Cinema dos Anos 2000' do blogue Keyser Soze's Place


Jorge Teixeira
classificação: 9/10

11.11.12

Oldboy (Oldeuboi) (2003)

Oldboy - Velho Amigo, Chan-wook Park


Estamos talvez perante uma das melhores histórias de que o cinema se serviu, genialmente preparada, cozinhada e manipulada num filme que escasseia os elogios que lhe poderemos dar. Numa obra que nem precisava de grande arrojo no plano da realização, detendo esta maravilha de argumento, é-lhe ainda adicionada um esquema e (des)organização na filmagem a todos os níveis brilhante. Chan-Wook Park é o hábil manipulador das sensações e desta constante instabilidade que se sente no decorrer da história e do encadeamento da trama, ao ponto de passar uma mensagem terrivelmente violenta e forte ao espectador, tornando-se inclusive ela própria algo estranha, incompreensível e, porque não, do outro mundo.

Desde o início, é claro e ao mesmo tempo incerto, para onde Park nos vai levar, para onde aquela rede de vingança, traição e sentimentos ocultos nos vão conduzir. Os olhos do protagonista, numa performance arrebatadora, dizem tanto e tão pouco, e nós, testemunhas, indefesos e rendidos, vê-mo-nos cedo a acompanhar e a sentir todos os passos dados por tal homem, e de arrasto, por situações que lhe vão (en)calhando, um pouco sem se perceber porquê. A claustrofobia, o medo, a solidão e a própria condição e existência humanas são temas bem evidentes aqui, que extrapolam inevitavelmente para fora do ecrã. Daí que as interrogações são mais que muitas e as respostas quase nenhumas, e durante muito tempo a confusão e a incompreensão não diminuem. O enigma vai permanecendo, mas sempre em doses apelativas e nunca frustantes, tanto quanto a desconfiança da resolução que presumivelmente se traduzirá à nossa frente.


Por outro lado, e paradoxalmente, vamos edificando uma espécie de confiança na expectativa e na própria história em si, quase como se fosse impossível nos defraudarem com o levantamento do véu, com a solução daquele quebra-cabeças, cada vez menos importante. Isto porque o deleite visual, sonoro e interpretativo é constante, atingindo mesmo patamares de rara imprevisibilidade, diversidade e originalidade. Tudo se constrói, física e psicologicamente, de forma surpreendente e por demais virtuosa, pelo que se compreende que às tantas já estamos divididos num equilíbrio entre o prazer de assistir a tão belas sequências e entre tentar desvendar o propósito deste jogo, digamos.

Talvez já não interesse se o final é de ficar de boca aberta, talvez o que importe mesmo é a reflexão e as sub-camadas de um puzzle que se encaixa diante de nós. O interessante, para além da inequívoca qualidade dos efeitos narrativos, está no reflexo e na força com que somos atingidos por eles mesmos, pela mensagem central e marginal, ou pelos temas de ódio, maldade, compaixão, lembrança e esquecimento. O passado estará sempre na mesma balança que o futuro, numa espécie de peso ideal, e a esperança é tão necessária quanto a verdade e a culpa dos actos praticados.


Destaque para a montagem de toda a película, provavelmente o factor decisivo, unificador e de classe para a excelência do projecto final, bem como de uma cena em particular, o plano-sequência da luta entre o personagem principal e uns quantos (muitos) adversários, em que a câmara assume vontade própria, desenhando e programando a acção num estilo impróprio e em ângulos, no mínimo, irreverentes e audazes, e no máximo, de uma criatividade, capacidade e versatilidade imensas. Um exímio exercício, de um formalismo e confluência de géneros assaz inovadores. O grafismo e algumas técnicas em câmara lenta são igualmente muito bem utilizados e enquadrados na intensa narrativa, neste exemplo mas de um modo geral.

Grande parte das cenas são ainda, aliás, de uma ambiguidade desarmante e, não menos, inquietante. Detentoras, por vezes e em simultâneo, de uma contenção e brutalidade sem precedentes. Para isso a fotografia e toda a atmosfera do filme estão à altura, a condizer e a respirar entre si e ainda adequadas aos níveis de emoção presentes. Tal como a banda sonora realça e sublinha parágrafos certeiros do guião. Então os momentos finais são qualquer coisa de irreal, de tão poderosos, simples e aflitivos que se tornam, confirmando e arquivando este Oldboy como uma peça de arte em bruto, de um grau de perfeição ímpar.

"Your gravest mistake wasn't failing to find the answer. You can't find the right answer if you ask the wrong questions."
Woo-jin Lee


Jorge Teixeira
classificação: 9/10

11.8.12

Psycho (1960)

Psico, Alfred Hitchcock


Imagino, porque só posso imaginar, o fascínio que o filme deve ter provocado às pessoas que o visionaram a quando da sua estreia. Um verdadeiro privilégio, não só por ser um clássico e um marco nos dias de hoje, mas também no que toca à sensação única de abarcar todo o suspense pela primeira vez. Suspense e tensão, porque realmente, são a matéria-prima aqui. Mais do que nunca, é desarmante, esse sentimento de impotência e total descontrole do que acontece, do que se sente, ao ponto de não se saber, por meio de nenhum artifício (banda-sonora, continuidades, lógicas, etc.), para onde a história se vai desenvolver a seguir. Não que isso aconteça sempre (a narração existe e o desenvolvimento das personagens também), o facto é que nada é ao acaso, nada é fortuito e por isso previsível e aborrecido.

Rodam as personagens (e rodamos nós com o rumo dos acontecimentos), e a imprevisibilidade está lá outra vez, incisiva, poderosa e fracturante. Trata-se de um filme de terror, e ao contrário do que possa parecer, o preto e branco reforça-lhe esse estatuto. A ausência de cor e ao mesmo tempo a sugestão frequente dela mesma (a icónica cena do "duche" é um exemplo, com todo o sangue a ser mais sugerido e interiorizado do que propriamente mostrado), confere a todo o ambiente e ao enredo o ritmo pulsante próprio do género. Reflectido, por sua vez, em última (e primeira) análise na destreza da montagem, na excelente banda-sonora, e na força das várias interpretações, todas elas destacáveis.


Por um instante esquecemo-nos ou distraímo-nos (imersos que estamos), e lá está outra vez a mestria a funcionar, aquele movimento de câmera (a nossa visão, a visão de Hitchcock) estonteante, criativo, e eficaz acima de tudo. Alguns enquadramentos são igualmente dignos de profunda admiração. Destaco um, aquele que, porventura, será o mais famoso e simbólico até hoje - o plano final com o "revelado" ou "enigmático" Norman Bates. Fabuloso, a rematar toda uma experiência, no mínimo, recompensadora. Enfim, dizer mais será sempre pouco, um filme para ver e rever.


Jorge Teixeira
classificação: 10/10