28.12.13
27.12.13
24.12.13
22.12.13
TCN Blog Awards 2013: Caminho Largo vence em Melhor Blogue Individual
Foi com surpresa que o Caminho Largo saiu premiado na cerimónia dos TCN Blog Awards 2013. Num evento extremamente carismático e que, cada vez mais, se assume como ponto de encontro de todos os que constituem e participam nesta blogosfera, o Caminho Largo, de entre as quatro nomeações que tinha, foi distinguido como Melhor Blogue Individual. Prémio que se considera de extremo valor, não tanto pela vitória em si, e ainda que os outros nomeados sejam autênticas referências desta comunidade, mas acima de tudo pelo reconhecimento de grande parte dos pares desta área, tanto da crítica, da academia, como do público, estimados leitores, que apreciam este blogue e o que aqui é escrito, descrito e pensado.
Todos os restantes vencedores, em cada categoria, foram mais que justos, tal como teriam sido todos os que estavam nomeados, não fosse esta blogosfera de cinema e televisão muito capaz, competente e, sobretudo, muito reveladora da paixão que os próprios bloggers nutrem pela partilha e pelo debate do conhecimento e da arte que nos une e nos completa. Parabéns a todos. A lista dos vencedores pode ser conferida aqui.
Resta então o mais importante, os agradecimentos, primeiramente à organização dos TCN Blog Awards (ao Cinema Notebook e à Take Cinema Magazine), à academia e a todos as pessoas que votaram neste blogue, tanto na categoria premiada como nas outras, e ainda a todos os blogues e bloggers que estavam meritoriamente nomeados. Segundo, e com particular destaque, agradecer à família, aos amigos e a todos aqueles que directa ou indirectamente apoiam e contribuem para fazer do Caminho Largo aquilo que é. Por último, fica a promessa de continuar no mesmo caminho, sempre pela Sétima Arte, rumo ao infinito e ao incerto, e porventura, de sustentar mais e melhor este trajecto que já tanto ofereceu. Obrigado, muito obrigado a todos.
Jorge Teixeira e Pedro Teixeira
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Outros,
TCN Blog Awards
20.12.13
CCOP: Top de Novembro de 2013
Com quarenta estreias cinematográficas em Novembro (entre longas e curtas-metragens), foi o vencedor da Palma d'Ouro 2013 que acabou por liderar o top mensal do CCOP. La vie d'Adèle (A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2) conquistou também a crítica, com a nota média de 8,64. Consultando o top especial dedicado às Palmas d'Ouro da História do Festival de Cannes, verifica-se que o filme de Abdellatif Kechiche surge na oitava posição dos melhores filmes vencedores de tal galardão, ocupando o lugar de Amour. O filme ocupa agora a segunda posição no top de 2013. Em segundo lugar do top de Novembro surge Stories We Tell (Histórias Que Contamos), documentário de Sarah Polley, com a nota média de 8,57. O filme é o documentário melhor classificado no CCOP desde sempre, acima de Searching for Sugar Man (À Procura de Sugar Man) (7,92). De recordar que o único outro filme da realizadora [Take This Waltz (Notas de Amor)] também classificado pelos membros do CCOP, recebeu a nota média de 6,60 em 10. O filme deu ainda entrada directa no terceiro lugar dos melhores filmes do ano. O terceiro lugar é ocupado por L'inconnu du lac (O Desconhecido do Lago), filme vencedor da Queer Palm 2013 e do prémio de Melhor Realizador (Alain Guiraudie) na secção Un Certain Regard do Festival de Cannes 2013. O filme que teve antestreia nacional no Lisbon & Estoril Film Festival recebeu a nota média de 7,75. Outros apontamentos para o pior filme do mês: The Counselor (O Conselheiro), de Ridley Scott, com nota média de 5 e para o CCOP também o pior filme do realizador, imediatamente abaixo de A Good Year (5,13), conforme revelado no top especial que lhe foi dedicado. Um destaque para a reposição nacional de 2001: A Space Odyssey (2001: Odisseia no Espaço), filme de Stanley Kubrick, que recebeu a nota média de 9. Comparando com todos os filmes já votados pelo CCOP, recebeu a mesma nota de Tokyo Story (Tôkyô monogatari) (Viagem a Tóquio) e situa-se imediatamente abaixo de Vertigo - A Mulher Que Viveu Duas Vezes (9,13).
Todos os tops anteriores correspondentes ao presente ano, assim como o top anual actualizado, encontram-se no site oficial do Círculo de Críticos Online Portugueses aqui (tal como ainda outras eventuais informações). Eis então o top completo dos filmes, com suficiente amostragem, estreados em Portugal em Novembro de 2013:
Todos os tops anteriores correspondentes ao presente ano, assim como o top anual actualizado, encontram-se no site oficial do Círculo de Críticos Online Portugueses aqui (tal como ainda outras eventuais informações). Eis então o top completo dos filmes, com suficiente amostragem, estreados em Portugal em Novembro de 2013:
1. La Vie d'Adèle (2013)
A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2, Abdellatif Kechiche | 8,64
2. Stories We Tell (2012)
Histórias Que Contamos, Sarah Polley | 8,57
3. L'Inconnu du Lac (2013)
O Desconhecido do Lago, Alain Guiraudie | 7,75
4. La Vénus à la Fourrure (2013)
Vénus de Vison, Roman Polanski | 7,43
5. The Way Way Back (2013)
O Verão da Minha Vida, Nat Faxon e Jim Rash | 7,00
5. Frozen (2013)
Frozen - O Reino do Gelo, Chris Buck e Jennifer Lee | 7,00
7. The Hunger Games: Catching Fire (2013)
The Hunger Games: Em Chamas, Francis Lawrence | 6,60
8. The Family (2013)
Malavita, Luc Besson | 5,83
9. Ender's Game (2013)
O Jogo Final, Gavin Hood | 5,75
10. Parkland (2013)
Peter Landesman | 5,50
11. The Fifth Estate (2013)
O Quinto Poder, Bill Condon | 5,25
12. The Counselor (2013)
O Conselheiro, Ridley Scott | 5,00
O Quinto Poder, Bill Condon | 5,25
12. The Counselor (2013)
O Conselheiro, Ridley Scott | 5,00
17.12.13
Citações (13)
Ilsa: Play it once, Sam. For old times' sake.
Sam: I don't know what you mean, Miss Ilsa.
Ilsa: Play it, Sam. Play "As Time Goes By."
Sam: Oh, I can't remember it, Miss Ilsa. I'm a little rusty on it.
Ilsa: I'll hum it for you. Da-dy-da-dy-da-dum, da-dy-da-dee-da-dum...
Ilsa: Sing it, Sam.
Sam: "You must remember this
A kiss is still a kiss
A sigh is just a sigh
The fundamental things apply
As time goes by.
And when two lovers woo,
They still say, "I love you"
On that you can rely
No matter what the future brings..."
Rick: Sam, I thought I told you never to play...
Sam: I don't know what you mean, Miss Ilsa.
Ilsa: Play it, Sam. Play "As Time Goes By."
Sam: Oh, I can't remember it, Miss Ilsa. I'm a little rusty on it.
Ilsa: I'll hum it for you. Da-dy-da-dy-da-dum, da-dy-da-dee-da-dum...
Ilsa: Sing it, Sam.
Sam: "You must remember this
A kiss is still a kiss
A sigh is just a sigh
The fundamental things apply
As time goes by.
And when two lovers woo,
They still say, "I love you"
On that you can rely
No matter what the future brings..."
Rick: Sam, I thought I told you never to play...
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Casablanca,
Citações,
Recortes
16.12.13
Bandas Sonoras (9)
Lawrence of Arabia (1962), David Lean
Grandiosa, triunfal e apoteótica são alguns exemplos para a adjectivação desta monumental obra cinematográfica. O assombroso e denso tema sonoro aqui em destaque é, portanto, digno do filme a que se compromete ou se relaciona. Uma faixa famosa e intemporal, que nos dá exactamente aquilo que desejamos ou que ansiamos neste meio, sobretudo sob contornos épicos - a exaltação, o poder e a glorificação do homem. Acima de todos, estão David Lean e Peter O'Toole como o maestro e o herói, respectivamente. Além de perdurar no ouvido, esta banda sonora reside e persiste como uma homenagem a esses mesmos homens.
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Bandas Sonoras,
Lawrence of Arabia,
Recortes
13.12.13
8.12.13
5 Grandes Filmes de Western (3)
Stagecoach (1939)
Cavalgada Heróica, John Ford
The Searchers (1956)
A Desaparecida, John Ford
The Magnificent Seven (1960)
Os Sete Magníficos, John Sturges
Il Brutto Il Buono Il Cattivo (1966)
O Bom, o Mau e o Vilão, Sergio Leone
The Wild Bunch (1969)
A Quadrilha Selvagem, Sam Peckinpah
por Jorge Teixeira e Pedro Teixeira
7.12.13
6.12.13
À Boleia (13)
Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Obrigado, Samuel, pela colaboração.
Caminho Largo: O que se deve para ti privilegiar mais num filme?
Samuel Andrade: A experiência proporcionada por um filme, nomeadamente a nível sensorial e emocional, demonstrando, nesse processo, a capacidade de se distanciar das outras expressões artísticas. Pelo uso que faz das várias disciplinas inerentes ao Cinema (fotografia, cenografia, música, etc.), valorizo sempre o filme que expõe situações, temáticas e estados de espírito da forma mais cinematográfica possível: um movimento de câmara não “casual”, um enquadramento pleno de simbolismo e significação, uma determinada escolha cromática, o efeito sonoro gerado com a intenção de não ser apenas um elemento de audição, ou uma reunião inusitada de motivos narrativos.
CL: É habitual falar-se do "visual" do filme, da sua componente estética e formal em comparação com o argumento. Na tua perspectiva e interpretação, onde encaixa aqui a realização? É negligenciada ou insere-se na tal "aparência" do filme? Identificas-te com esta posição?
SA: Mais do que a componente estética e formal de um determinado filme, identifico-me sobretudo com a noção da realização enquanto veículo para a construção autoral por parte de um realizador. Nestes casos, a realização é, indiscutivelmente, o elo mais forte de um filme e, consequentemente, da análise à carreira de um cineasta.
Por outro lado, a realização só se apresenta negligenciada na composição formal do filme quando é assumida por um profissional pouco interessado em imprimir a sua marca (um “tarefeiro”, segundo a gíria da indústria).
CL: A versatilidade e a abrangência são mais ou menos importantes que um vincado carácter autoral de um cineasta?
SA: A versatilidade e a abrangência podem ser o carácter autoral de um cineasta, e não faltam exemplos disso. Só para citar alguns, recordo-me dos casos de Stanley Kubrick, Alain Resnais, Steven Spielberg, Ridley Scott, Chan-wook Park ou John Ford, autores que foram capazes de expressar visões, inquietações e temáticas por intermédio de diversos registos e géneros.
Todavia, considero que a verve de um autor nunca se poderá diluir numa polivalência desorganizada, incorrendo assim no risco de perder os factores que elevam um realizador àquele estatuto.
CL: A adopção por novas tecnologias e por novas ferramentas por parte do cinema deve ser imediata e permanente? Ao longo da sua história tem sido sempre benéfica? Porquê?
SA: Eis uma autêntica one million dollar question.
É do conhecimento de muitos a minha perspectiva algo conservadora relativamente às novas tecnologias na Sétima Arte, com a defesa da manutenção da película de 35mm, enquanto ferramenta de produção, exibição e conservação, em plano de destaque. No entanto, admito que o digital tem permitido, com elevado grau de eficácia, uma considerável “democratização” do Cinema, nomeadamente na forma como possibilita que mais jovens talentos possam filmar com a frequência e acessibilidade económica desejadas ou na oferta alargada de títulos disponíveis (DVD, Blu-ray, stream, etc.) nesse formato.
Além disso, é-me impossível negar o impacto indiscutivelmente positivo que determinados desenvolvimentos tecnológicos, como o surgimento do sonoro ou a invenção da Steadicam, tiveram para o modo como apreciamos um filme. Mas darei sempre o meu aval à obra ou ao cineasta que privilegie uma abordagem mais “primitiva” – no sentido de mais próximo das suas origens – e ponderada ao Cinema: que encare a película como o suporte na qual a Sétima Arte foi criada e pensada para ser exibida, que não encontre nos efeitos visuais a resposta para qualquer necessidade de production values, e que não transforme a experiência de ver um filme em “atracção de feira” (vulgo 3D).
CL: Comenta a seguinte citação do realizador Stanley Kubrick: "Um filme é - ou deveria ser - mais como a música do que como a ficção. Deve ser uma progressão de estados de espírito e sentimentos."
SA: Tal como afirmei na minha primeira resposta a este «À Boleia», é a experiência que determina o acto de ver Cinema. Para qualquer cinéfilo, seja ele mais ou menos experiente e conhecedor, revela-se sempre inesquecível aquele filme visionado numa determinada altura da sua vida, que foi capaz de sacudir o seu âmago, de apaziguar qualquer dilema pessoal ou de suscitar sentimentos nunca antes experienciados. É esse o poder, de cariz sensorial e emocional, que torna o Cinema na arte peculiar que conhecemos.
P.S.: aposto que a referência a Kubrick, no contexto deste convite (que muito agradeço), foi tudo menos casual. Parabéns, Jorge, és um blogger atento.
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À Boleia,
Convidados,
Entrevistas
5.12.13
Trailers (19)
Mandela: Long Walk to Freedom (2013), Justin Chadwick
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2.12.13
2001: A Space Odyssey (1968)
2001: Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick
Agora numa demanda solitária e a caminhar para a recta final na circunferência do espaço sideral, no ritual do sistema solar e na ordem do universo, o envolvente altera-se e as circunstâncias camuflam-se, remetendo todo o âmbito circundante às mais eloquentes e delirantes visões. Um espectáculo alucinante, anestesiante e totalmente alienado de lógica ou compreensão pelo que se está, incredulamente, a assistir. Luz, cor e agitação tomam conta do quadro, do campo material, tangível ao observador, tal como o vento, o aroma e o tacto que sentimos são perfeitamente aceitáveis e credíveis, dado a comunhão que é impressa com o espectador, e por inerência com o protagonista, verdadeiro veículo do passeio e do deslocamento espesso e acelerado que, todos juntos, atravessamos até um extremo oposto. Que mais dizer desta particular corrida contra o tempo? Desta extravagante entrada, o salto para as estrelas, para lá do infinito, que mais parece um portal encantado e divinal para o então satélite e gigante monólito alcançado? Só Kubrick para nos rematar deste modo uma experiência por si só já marcante e recompensadora.
A interpretação de tudo o que se segue, de tudo o que é somado, subtraído, multiplicado ou dividido (e potenciado ainda com a presença, outra vez, do monólito), ou em suma calculado no nosso espectro ocular e sensível, é, pois, demasiado densa e receptível de pensamento ou de exercício mental e cultural, que se torna, a cada nova dedicação (devoção), uma genuína fonte particular e simultaneamente global para a compreensão do humanismo, da vida e da (sétima) arte. É infrutífero e, porventura até contraditório, portanto, a tentativa de completa resolução deste quebra-cabeças ou deste enigma que nos assola assim que nos retorna o derradeiro olhar, provocatório, intimidatório, mas inteiramente fascinante de uma ponta à outra, num novelo que cai (tipo ficha) e que começa desta forma a se desfiar consoante o percurso ou os obstáculos que terá pela frente, leia-se as convicções e as inquietações que pensamos ou não deter, e vir a deter, ou inclusive bloquear, perante a arte, a ciência e a contemplação do dia-a-dia existencial.
Ainda assim, uma possível análise a estas cenas ou a este capítulo da epopeia (porque de poesia tem muito) será seguramente o da imprevisibilidade das acções e do decorrer das respectivas reacções, num permanente jogo de espelhos e de reflexão (e refracção), onde não enxergamos nem uma oitava parte (número redondo) do que presenciamos no então quarto ou salão de estilo bizarro, de tão arcaico e moderno que se apresenta. O tempo e o espaço desordenam-se e embaraçam-se, embaraçando-nos nós também, convertendo aquilo que se estava a seguir em larga medida com a mente num intrínseco devaneio ou entranhado sonho, culminando, provavelmente, num despertar e numa ascensão a uma nova condição em que a quarta dimensão se exprime. O ênfase na viagem e no lugar do Homem no universo, dados os relevantes primeiros passos, e numa colossal e descomunal parábola cósmica, de levar o conceito de vertigem às nuvens, literalmente. A tontura e a sensação de falta de equilíbrio no vasto e negro oceano ganham por conseguinte todo um novo significado e pertinência à luz de tamanhas interrogações (retórica?).
2001: A Space Odyssey enquanto filme (operático) ou enquanto objecto cinematográfico possui também, para além de tudo o que se conjecturou anteriormente, outras qualidades, obviamente, algumas já sugeridas, nomeadamente ao nível da filmagem e da montagem, em que a imagem e a câmera justapõem-se ao diálogo, com um ritmo ora temperado e sereno, ora picante e mordaz, e ao nível da arquitectura dos planos, montados abruptamente como se de um esqueleto se tratasse, tal o seu detalhe, solidez e interdependência. Por demais estratégicos, harmoniosos e angulosos - a diagonal entre as linhas ortogonais, ou sobretudo o círculo, a rotação, sempre e outra vez, entre eixos de translação impõem um sentido perspéctico e de profundidade assaz inovador - de resto como é condição privilegiada e recorrente do seu autor.
Há amiúde inúmeros casos em que o enquadramento se comporta rigorosamente em consonância com o seu significado ou simbolismo implícito e se revela, pois, radioso, de nos comprometer instintivamente com o mesmo e com toda a repercussão que daí resulta. Desde o já referido plano do osso, que perfaz o ajuste (raccord) para o plano da nave, fluindo este depois num bailado entre câmera e personagens em perfeita circulação e respeito com a música presente, até ao último plano de uma secreta criança a contemplar o planeta Terra, o mundo, num limite e princípio coincidentes de uma outra história, a próxima, a que, por agora e para já, não nos concerne, aliás, em parte como todo o filme.
De destacar ainda, isoladamente, a banda sonora, na composição e orquestração de toda a imagética sensorial e interpretativa e no batimento ou na pulsação, arrebatadora, da ponderada selecção de música clássica (os temas Also Sprach Zaratustra e The Blue Danube de Richard e Johann Strauss, respectivamente, são eternos), que não raras vezes nos oferece um autêntico júbilo e deleite pelo que se está a ouvir, a ver e a dançar em sintonia, ou, em conjunto, pelo que se está a vivenciar, tão simples e naturalmente. Quando o silêncio e o som (e a respiração), apenas e só, substituem a banda sonora, é por dotes e definições próprias, não fosse o espaço, infinito e imensurável, a estrada e a paragem obrigatória para estes sóbrios passageiros.
Por outro lado, os efeitos especiais, a fotografia e todo o restante departamento técnico (e a tecnologia atingida) estão igualmente num patamar superior, ao rubro, se assim se pode dizer, pelo que não existirá, pelo menos à superfície (e dado o deslumbramento imediato e sistemático), nada fortemente a balançar em termos negativos esta transcendente, alegórica, polémica e abismal obra de Kubrick. Naquela que é habitualmente considerada como a obra-prima máxima do Cinema, o filme-charneira e o mesmo onde Deus, o omnipotente misterioso, o "nosso" monólito que vaguei sem fim, terá tocado e imortalizado, ao ponto de influenciar meio mundo, porque, se nos lembrarmos, a outra metade preconizada pelo recém-nascido, ainda está para existir.
Deus quer, o Homem sonha e a obra nasce. Será o repto ou o desejo máximo de uma Pessoa, dos mais recônditos cantos de sua alma, do seu ânimo, porém apenas e só alguns, raros, terão a remota capacidade de alcançar tamanho êxito ou conquista especial. Stanley Kubrick pertence certamente a esse restrito grupo de fenómenos intemporais. Um iluminado, um visionário e um artista, na verdadeira acepção da palavra. Deu-nos, em primeiro plano e não levitando para já da realidade, aquilo que tão simplesmente procuramos nestas andanças - arrebatamento, vibração e, sobretudo, dúvida. Esta, aliás, de que o objecto parte e se estende, sendo que termina sem nunca a dissipar ou sequer a desmembrar, restando por isso sempre, em toda e nova ocasião, algo que a redescobre, a recria e a alimenta na duração desta voraz experiência que, com efeito, se dissimula em incertezas e incessantes oscilações, e vice-versa.
Em segundo plano, face então ao cepticismo e à tentação e à imaginação induzidas, está-se literalmente noutra dimensão, mítica, filosófica e obscura, de tão avançada e sedutora que se apresenta. Um milagre do criador, aqui um verdadeiro fundador se atendermos à reinvenção da ficção-científica enquanto género cinematográfico, numa obra megalómana que decididamente ultrapassa os limites do tempo e da percepção humana. Deus quis deste modo, assim o Cinema o ansiava, o Homem sonhou, Kubrick transcendeu-se e a obra nasceu - 2001: Odisseia no Espaço, datava o ano de 1968, estava então entre nós e as estrelas, definitiva e obstinadamente, qual fragmento meteórico ou diamante em bruto que teima em ser riscado mas que risca tudo e todos, sem medo, sem sossego e com prazer e consciência, para o bem ou para o mal, do seu egoísmo e estímulo simultâneos.
Ouve-se um ribombar, ao longe ecos primitivos, sente-se o prelúdio, a génese entre matéria e imaginário, o nascimento da vida. O engenho ajeita-se, o funcionamento é despertado e o círculo toma conta do arco narrativo que se começa a desenhar em constantes desvanecimentos. O Sol e a Terra, a estrela e o nosso planeta, perfeitamente alinhados, absolutamente enquadrados, dão o mote para uma odisseia mais simbólica e ornamental que descritiva e compreensiva, e que disfarçada, (inter)calada e pausadamente se supera a si própria, numa clara (sente-se desde logo) metódica convergência e concorrência entre luz e sombra, entre palavra e som, entre melodia e volume, entre imagem e cor, ou entre representação e movimento. Uma autêntica nascente de nuances apreciativas e interpretativas que se principia a desvendar, para, em ultima análise, se chegar à conclusão da nossa manifesta falta de domínio sobre o universo e o abstraccionismo complementar.
No alvorecer da humanidade, o início da vida é como uma rocha ainda por se degastar, por se polir e por se definir, pelo facto de que a experiência, essencial, ainda está por adquirir. As pré-existências, a história e o conhecimento empírico podem facultar e instigar à evolução animal e à adaptação ao meio envolvente, tão natural quanto impressionante - o crescimento, a mudança ou o desenvolvimento são sempre etapas estimulantes - mas o que é certo é que de algum modo existe frequentemente no processo, e no progresso, um persistente efeito misterioso e extra-ordinário (extra-terrestre), que teima ora em esconder-se, ora em aparecer.
Portanto, se me é permitido deduzir, a aprendizagem, e logo o avanço corporal e intelectual, não se confinam unicamente ao concreto e ao perceptível, pressentindo-se quase sempre algo mais, em maior escala e segundo outra dimensão, quem sabe a sua oposta direcção? Provavelmente, no fundo não mais que a perspectiva do oculto, do desconhecido, a mesma que Kubrick se apercebe e se apronta a nos indiciar e a nos provocar, leia-se o vulgo e impossível monólito, um paralelepípedo tumular, estático, rectilíneo e negro, como o infinito, que surge e (com)parece cirúrgicas vezes, conforme o presente (o dedo indicador) assim o designe.
Portanto, se me é permitido deduzir, a aprendizagem, e logo o avanço corporal e intelectual, não se confinam unicamente ao concreto e ao perceptível, pressentindo-se quase sempre algo mais, em maior escala e segundo outra dimensão, quem sabe a sua oposta direcção? Provavelmente, no fundo não mais que a perspectiva do oculto, do desconhecido, a mesma que Kubrick se apercebe e se apronta a nos indiciar e a nos provocar, leia-se o vulgo e impossível monólito, um paralelepípedo tumular, estático, rectilíneo e negro, como o infinito, que surge e (com)parece cirúrgicas vezes, conforme o presente (o dedo indicador) assim o designe.
Num primeiro tomo ou decisão, introduz-se o berço, as fundações, com a visão da premonitória espécie de símio, os macacos (os antecessores mais próximos, quiçá os mais pertinentes), que às tantas influenciados e posteriormente manipulados pela vigia e controle do referido monólito (sobre-natural) são levados, compulsivamente, a descobrir o poder ofensivo, o combate, a arma de arremesso ou o chegado (e distante) osso, o instrumento basilar. Na prática, a descobrirem-se a eles mesmos. Importante revelação esta que somos dados a (re)ver, porventura uma das mais icónicas de que há memória, altura em que os nossos antepassados finalmente constatam o valor do ataque, da guerrilha, da força da destruição e, logo, da construção, moldagem e planeamento aderentes. Enorme capítulo do período anterior ao domínio do maior primata, o primata superior, o definitivo ser ascendente dos hominídeos e do próprio Homo sapiens. A sabedoria, impulsionada com um incremento incógnito, a consumar assim a sua energia e o seu papel no curso da ainda tão curta história do Homem.
Numa segunda ocasião, tem-se nova investida do estranho, mas não menos atraente, monólito, a fazer novamente das suas e incutindo, em déjà vu, a correspondente atmosfera sombria e enigmática, quando mais uma vez nada assim o previa. Nesta fase num campo, em anos e em metros, diametralmente longínquo (e de maior escuridão) - a superfície lunar, a nossa Lua. Nitidamente uma opção racional, oposta e discrepante, e que assenta no tecto e no horizonte controversos e, por tudo isso, ilimitada, se compararmos com a anterior decorrida na pré-história. Tempos ou momentos antagónicos, mas ambos antecedentes de uma alteração (ou alternativa) de natureza inspiradora. As dúvidas, essas persistem, assolam os então exploradores ou astronautas das estações espaciais (num ambiente deveras sofisticado e vanguardista - o design, a decoração e a valsa), de tal forma que uma missão é despoletada e idealizada com o intuito de resolver tamanho mistério ou, espera-se, a promessa de maior conhecimento do que nos rodeia universalmente, e a partir daí do que nos afronta interiormente.
A inteligência humana a projectar também deste modo a inteligência artificial e, pelo caminho, a se consciencializar dos benefícios e das consequências que poderão ou não resgatar com a sua exploração e a sua implacável (contra-)reacção, aqui talvez mais inesperada que o prognosticado, não fosse estarmos perante uma máquina que supera o seu intento e que terá assim a legítima avidez de se libertar e de se realizar artificialmente (e pessoalmente?). O real e inevitável cumprimento da estrutura na familiar "árvore genealógica" em que o sucessor (hesitantemente) suplanta o seu mestre, o seu inventor, ou, melhor, o ultrapassa apenas para se deixar dobrar uns metros mais à frente, numa longa-metragem hipoteticamente periódica e de sentido orbital, qual corpo celeste em permanente giratória. Não será o espaço, sem gravidade e sem fim, onde tudo se ensaia e se perpetua (solos que se convertem em paredes, horizontalidades que se confundem com verticalidades), um cenário ajustado e favorável, ou até o ideal, para esta problemática? É garantidamente tão incerto e tão provisório quanto as vicissitudes da existência e do tempo, e contra-tempo, em si.
A inteligência humana a projectar também deste modo a inteligência artificial e, pelo caminho, a se consciencializar dos benefícios e das consequências que poderão ou não resgatar com a sua exploração e a sua implacável (contra-)reacção, aqui talvez mais inesperada que o prognosticado, não fosse estarmos perante uma máquina que supera o seu intento e que terá assim a legítima avidez de se libertar e de se realizar artificialmente (e pessoalmente?). O real e inevitável cumprimento da estrutura na familiar "árvore genealógica" em que o sucessor (hesitantemente) suplanta o seu mestre, o seu inventor, ou, melhor, o ultrapassa apenas para se deixar dobrar uns metros mais à frente, numa longa-metragem hipoteticamente periódica e de sentido orbital, qual corpo celeste em permanente giratória. Não será o espaço, sem gravidade e sem fim, onde tudo se ensaia e se perpetua (solos que se convertem em paredes, horizontalidades que se confundem com verticalidades), um cenário ajustado e favorável, ou até o ideal, para esta problemática? É garantidamente tão incerto e tão provisório quanto as vicissitudes da existência e do tempo, e contra-tempo, em si.
Até aqui, duas aparições do monólito, o ex libris da jornada, e dois momentos distintos da nossa (suposta) evolução, o passado e o futuro. No meio, não ficou esquecido, o mais austero raccord que o Cinema já concebeu e o maior lapso histórico jamais contado, excluído ou sugado narrativa e visualmente ou, mais importante, jamais vivido em linguagem cinematográfica. Por certo, este é um dos instantes mais famosos de que se tem conhecimento, e diga-se, totalmente meritório, o qual é materializado no lançamento de um osso por parte de um (vulgar) macaco (na tal descoberta do poder da transformação, do nosso poder) e do corte do mesmo em pleno ar, no céu, no firmamento, sem aviso e sem antecipação, para, note-se, um salto temporal (e espacial) de milhares de anos, que nos transporta somente para o angustiante vazio do cosmos, do nosso sistema solar. Do osso à nave (ou se quisermos, à caneta, presente nesta última), os respectivos topos de gama do seu tempo. Uma fulminante (e ultrajante) viagem, assim, sem mais nem menos - de quebrar o mais insensível espectador. De uma potência e influência a todos os níveis brutal e, refira-se, capital.
No fundo, assume-se que o corte, e a elipse entre planos na montagem, representa um brusco intervalo que propositadamente nos devemos esquecer, uma pausa que na verdade não necessitamos, ou noutro sentido, um simples parêntesis que omite toda uma informação descartável, adicional e explicativa, que a ver bem (já) está lá, sabemo-lo, vivemo-lo, reconhecemo-lo (à nossa imagem), para se focar apenas no essencial, naquilo que importa aqui fundamentalmente destacar, dissertar e divagar - a nossa profunda ignorância e lucidez aleatórias e alternadas - nos ambientes mais transparentes e habilitados a tal - a origem e o destino, a certeza de um território e a expectativa de um rumo, ou, enfim, entre o que conhecemos, mas não imaginamos e o que aspiramos imaginar sem no entanto conhecermos.
A odisseia progride, geometricamente enquadrada, virtuosamente filmada, musicalmente acutilante, e, sobretudo na segunda metade da película, silenciosamente captada, numa cadência por demais vagarosa, ciente e evidente e, porque não, triunfal. A busca por respostas continua espaço fora e espaço adentro (o misterioso monólito perdura na consciência), rumo a Júpiter, suposta luz ao fundo túnel, sem, contudo, no trajecto evitar alguns percalços ou situações menos esperadas, digamos, em especial de onde não se adivinhava, de onde mais se tinha confiança e segurança. Um autêntico quid pro quo, uma reviravolta de 180 graus (mais tarde de 360), que coloca o Homem refém do mecanismo, aqui supercomputador, o célebre HAL-9000, e o torna completamente impotente e, nos primeiros minutos, incapaz de reverter os acontecimentos, leia-se a morte que tem de encarar entre colegas de expedição, para mais no eterno infinito, na escuridão total.
Em seguida, as posições invertem-se e a direcção lá se alinha, a custo e a contrafeito bem entendido, e apenas com recurso à (única) vantagem que o ser-humano ainda possui sobre o software - a emoção e o instinto de sobre-vivência (porventura a memória e o esquecimento), acima até de qualquer tipo de hardware. O que nos diz nem muito nem pouco, diz tudo em relação a esta dicotomia entre senso e razão e sentimento e reacção (e ainda que ambos os lados demonstrem argumentação ou sentidos inversos e aquele "olho" de HAL nos denuncie algum avanço ou maior conhecimento, traição, laivos de emoção, ou, tão só, os primeiros passos para uma mutação, para um legado da nossa ambição). Fica, adicionalmente, nova dúvida, certeira, imperial e incomodativa.
No fundo, assume-se que o corte, e a elipse entre planos na montagem, representa um brusco intervalo que propositadamente nos devemos esquecer, uma pausa que na verdade não necessitamos, ou noutro sentido, um simples parêntesis que omite toda uma informação descartável, adicional e explicativa, que a ver bem (já) está lá, sabemo-lo, vivemo-lo, reconhecemo-lo (à nossa imagem), para se focar apenas no essencial, naquilo que importa aqui fundamentalmente destacar, dissertar e divagar - a nossa profunda ignorância e lucidez aleatórias e alternadas - nos ambientes mais transparentes e habilitados a tal - a origem e o destino, a certeza de um território e a expectativa de um rumo, ou, enfim, entre o que conhecemos, mas não imaginamos e o que aspiramos imaginar sem no entanto conhecermos.
A odisseia progride, geometricamente enquadrada, virtuosamente filmada, musicalmente acutilante, e, sobretudo na segunda metade da película, silenciosamente captada, numa cadência por demais vagarosa, ciente e evidente e, porque não, triunfal. A busca por respostas continua espaço fora e espaço adentro (o misterioso monólito perdura na consciência), rumo a Júpiter, suposta luz ao fundo túnel, sem, contudo, no trajecto evitar alguns percalços ou situações menos esperadas, digamos, em especial de onde não se adivinhava, de onde mais se tinha confiança e segurança. Um autêntico quid pro quo, uma reviravolta de 180 graus (mais tarde de 360), que coloca o Homem refém do mecanismo, aqui supercomputador, o célebre HAL-9000, e o torna completamente impotente e, nos primeiros minutos, incapaz de reverter os acontecimentos, leia-se a morte que tem de encarar entre colegas de expedição, para mais no eterno infinito, na escuridão total.
Em seguida, as posições invertem-se e a direcção lá se alinha, a custo e a contrafeito bem entendido, e apenas com recurso à (única) vantagem que o ser-humano ainda possui sobre o software - a emoção e o instinto de sobre-vivência (porventura a memória e o esquecimento), acima até de qualquer tipo de hardware. O que nos diz nem muito nem pouco, diz tudo em relação a esta dicotomia entre senso e razão e sentimento e reacção (e ainda que ambos os lados demonstrem argumentação ou sentidos inversos e aquele "olho" de HAL nos denuncie algum avanço ou maior conhecimento, traição, laivos de emoção, ou, tão só, os primeiros passos para uma mutação, para um legado da nossa ambição). Fica, adicionalmente, nova dúvida, certeira, imperial e incomodativa.
Agora numa demanda solitária e a caminhar para a recta final na circunferência do espaço sideral, no ritual do sistema solar e na ordem do universo, o envolvente altera-se e as circunstâncias camuflam-se, remetendo todo o âmbito circundante às mais eloquentes e delirantes visões. Um espectáculo alucinante, anestesiante e totalmente alienado de lógica ou compreensão pelo que se está, incredulamente, a assistir. Luz, cor e agitação tomam conta do quadro, do campo material, tangível ao observador, tal como o vento, o aroma e o tacto que sentimos são perfeitamente aceitáveis e credíveis, dado a comunhão que é impressa com o espectador, e por inerência com o protagonista, verdadeiro veículo do passeio e do deslocamento espesso e acelerado que, todos juntos, atravessamos até um extremo oposto. Que mais dizer desta particular corrida contra o tempo? Desta extravagante entrada, o salto para as estrelas, para lá do infinito, que mais parece um portal encantado e divinal para o então satélite e gigante monólito alcançado? Só Kubrick para nos rematar deste modo uma experiência por si só já marcante e recompensadora.
A interpretação de tudo o que se segue, de tudo o que é somado, subtraído, multiplicado ou dividido (e potenciado ainda com a presença, outra vez, do monólito), ou em suma calculado no nosso espectro ocular e sensível, é, pois, demasiado densa e receptível de pensamento ou de exercício mental e cultural, que se torna, a cada nova dedicação (devoção), uma genuína fonte particular e simultaneamente global para a compreensão do humanismo, da vida e da (sétima) arte. É infrutífero e, porventura até contraditório, portanto, a tentativa de completa resolução deste quebra-cabeças ou deste enigma que nos assola assim que nos retorna o derradeiro olhar, provocatório, intimidatório, mas inteiramente fascinante de uma ponta à outra, num novelo que cai (tipo ficha) e que começa desta forma a se desfiar consoante o percurso ou os obstáculos que terá pela frente, leia-se as convicções e as inquietações que pensamos ou não deter, e vir a deter, ou inclusive bloquear, perante a arte, a ciência e a contemplação do dia-a-dia existencial.
Ainda assim, uma possível análise a estas cenas ou a este capítulo da epopeia (porque de poesia tem muito) será seguramente o da imprevisibilidade das acções e do decorrer das respectivas reacções, num permanente jogo de espelhos e de reflexão (e refracção), onde não enxergamos nem uma oitava parte (número redondo) do que presenciamos no então quarto ou salão de estilo bizarro, de tão arcaico e moderno que se apresenta. O tempo e o espaço desordenam-se e embaraçam-se, embaraçando-nos nós também, convertendo aquilo que se estava a seguir em larga medida com a mente num intrínseco devaneio ou entranhado sonho, culminando, provavelmente, num despertar e numa ascensão a uma nova condição em que a quarta dimensão se exprime. O ênfase na viagem e no lugar do Homem no universo, dados os relevantes primeiros passos, e numa colossal e descomunal parábola cósmica, de levar o conceito de vertigem às nuvens, literalmente. A tontura e a sensação de falta de equilíbrio no vasto e negro oceano ganham por conseguinte todo um novo significado e pertinência à luz de tamanhas interrogações (retórica?).
2001: A Space Odyssey enquanto filme (operático) ou enquanto objecto cinematográfico possui também, para além de tudo o que se conjecturou anteriormente, outras qualidades, obviamente, algumas já sugeridas, nomeadamente ao nível da filmagem e da montagem, em que a imagem e a câmera justapõem-se ao diálogo, com um ritmo ora temperado e sereno, ora picante e mordaz, e ao nível da arquitectura dos planos, montados abruptamente como se de um esqueleto se tratasse, tal o seu detalhe, solidez e interdependência. Por demais estratégicos, harmoniosos e angulosos - a diagonal entre as linhas ortogonais, ou sobretudo o círculo, a rotação, sempre e outra vez, entre eixos de translação impõem um sentido perspéctico e de profundidade assaz inovador - de resto como é condição privilegiada e recorrente do seu autor.
Há amiúde inúmeros casos em que o enquadramento se comporta rigorosamente em consonância com o seu significado ou simbolismo implícito e se revela, pois, radioso, de nos comprometer instintivamente com o mesmo e com toda a repercussão que daí resulta. Desde o já referido plano do osso, que perfaz o ajuste (raccord) para o plano da nave, fluindo este depois num bailado entre câmera e personagens em perfeita circulação e respeito com a música presente, até ao último plano de uma secreta criança a contemplar o planeta Terra, o mundo, num limite e princípio coincidentes de uma outra história, a próxima, a que, por agora e para já, não nos concerne, aliás, em parte como todo o filme.
De destacar ainda, isoladamente, a banda sonora, na composição e orquestração de toda a imagética sensorial e interpretativa e no batimento ou na pulsação, arrebatadora, da ponderada selecção de música clássica (os temas Also Sprach Zaratustra e The Blue Danube de Richard e Johann Strauss, respectivamente, são eternos), que não raras vezes nos oferece um autêntico júbilo e deleite pelo que se está a ouvir, a ver e a dançar em sintonia, ou, em conjunto, pelo que se está a vivenciar, tão simples e naturalmente. Quando o silêncio e o som (e a respiração), apenas e só, substituem a banda sonora, é por dotes e definições próprias, não fosse o espaço, infinito e imensurável, a estrada e a paragem obrigatória para estes sóbrios passageiros.
Por outro lado, os efeitos especiais, a fotografia e todo o restante departamento técnico (e a tecnologia atingida) estão igualmente num patamar superior, ao rubro, se assim se pode dizer, pelo que não existirá, pelo menos à superfície (e dado o deslumbramento imediato e sistemático), nada fortemente a balançar em termos negativos esta transcendente, alegórica, polémica e abismal obra de Kubrick. Naquela que é habitualmente considerada como a obra-prima máxima do Cinema, o filme-charneira e o mesmo onde Deus, o omnipotente misterioso, o "nosso" monólito que vaguei sem fim, terá tocado e imortalizado, ao ponto de influenciar meio mundo, porque, se nos lembrarmos, a outra metade preconizada pelo recém-nascido, ainda está para existir.
★★★★★★★★★★
Jorge Teixeira
Jorge Teixeira
classificação: 10/10
links: IMDb, FilmAffinity, ICheckMovies, MUBI
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