Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Obrigado, Inês, pela colaboração.
Caminho Largo: Onde deverá residir para ti na maioria dos casos a verdadeira qualidade de um filme?
Inês Moreira Santos: Quando um filme nos consegue tocar de forma intima, profunda, verdadeiramente singular em todos os seus aspectos – visual ou espiritualmente –, essa é certamente a sua verdadeira qualidade. É difícil apontar onde ela reside, pois de certo irá variar de filme para filme. Ainda assim, é na relação com o espectador que a verdadeira qualidade se encontra, já que sem essa espécie de partilha nenhum filme poderia resistir.
CL: Fotografia, banda-sonora, interpretações ou cenografia têm o mesmo peso que argumento, realização e montagem na avaliação de um filme? Como hierarquizas, se é que faz sentido, os vários departamentos da produção?
IMS: Mais uma vez, parece-me uma questão que não pode ser avaliada da mesma forma de filme para filme. O ideal seria que todos os elementos se fundissem numa união perfeita. Haverá contudo sempre a tendência para cada um avaliar um filme consoante a sua área de preferência ou de maior interesse – eu, por exemplo, costumo dar grande importância ao argumento, mas cada vez mais me interesso pela componente visual. Contudo, é claro que há filmes muito mais visuais – Gravidade é um bom e recente exemplo disso – em que de forma nenhuma se pode deixar a componente técnica para um plano secundário. Ainda assim, as interpretações, e mesmo o argumento não deixam de ter um peso fundamental na sua avaliação. Em conclusão, todos os departamentos da produção devem ter o mesmo peso na avaliação de um filme, ou não são eles mesmos que, juntos, formam a unidade fílmica?
CL: O cinema tem de subsistir e debruçar-se sempre na realidade e/ou verdade ou pode-se refugiar totalmente no abstracto e na fantasia?
IMS: Felizmente há espaço para tudo quando falamos de cinema. Os géneros são imensos (terror, suspense, drama, romance, thriller, comédia, ficção científica, documental, musical, e tantos outros...), ficção e documentário por vezes fundem-se, a liberdade é total e as possibilidades são imensas para quem quer fazer ou ver um filme. Entre os factos ficcionados serem mais ou menos reais, ou fugirem para um campo mais fantástico, abstracto, ou mesmo surrealista, o espaço é infindável para as opções dos realizadores, e, claro está, dos espectadores.
CL: O prazer e a apreciação de se assistir a um filme numa sala de cinema são completamente diferentes e decisivos em comparação, por exemplo, à visualização através da televisão? Porquê?
IMS: São experiências distintas, ambientes diferentes, cada um com as suas mais-valias. A sala de cinema convida a uma maior introspecção, interiorização do que é projectado na grande tela. A sala escura e silenciosa faz desfrutar em pleno – se as condições forem as melhores, claro, quer em termos de projecção como de comportamento dos espectadores em sala – dessa experiência que é assistir a um filme. Contudo, é uma experiência individual. Através da televisão é diferente, mais ligada a um ambiente familiar, ou entre amigos, por exemplo. A partilha de opiniões e emoções é exteriorizada. Eu prefiro a sala de cinema, sem dúvida. Mas há momentos certos para ambos.
CL: Comenta a seguinte citação do realizador Tim Burton: "Filmes são como uma forma cara de terapia para mim."
IMS: Uma frase curiosa, que pode adaptar-se também ao público. O cinema está caro – ou a actual conjuntura o faz parecer – e quem ainda resiste e gosta de ver filmes numa sala de cinema assumirá certamente esta frase como sua – uma terapia cara, mas que vale a pena. Quanto a Burton, ainda bem que o resultado dessa terapia é, normalmente, uma óptima terapia também para os seus fãs. E quando o trabalho é terapia, que mais se pode querer? O gasto na “consulta” tem duplo retorno: monetário e de satisfação pessoal. Tomara que fosse sempre assim.