16.10.12

Dersu Uzala (1975)

Dersu Uzala - a Águia da Estepe, Akira Kurosawa


Filme riquíssimo na mensagem, na narrativa, naquilo de que talvez o cinema mais precisa hoje em dia – verdade. Essa verdade é-nos dada através de Dersu Uzala, personagem que dá título ao filme, um homem de idade avançada e de estatura diminuta que vive da e para a natureza, que se movimenta como se da própria estrutura elementar da mesma fizesse parte, o que na realidade até faz. Todo o ser-humano é parte integrante e insignificante de um todo, em perfeita comunhão com o primitivo e selvagem. Dersu é por isso uma personificação de um estado antigo, de uma vivência pré-temporal nostálgica, sábia e experienciada. Tal como ele próprio, com a sua humildade, está constantemente a evidenciar perante a arrogância e ignorância do exército russo e do seu oficial, recém chegados. Facto que este último acaba por perceber passando de imediato a admirar, contrariando assim a tendência, ao ponto de erguer uma amizade sem precedentes e começá-lo a seguir cegamente pelos meandros do desconhecido e da aventura.

Ás tantas, e lá mais para o fim, a situação inverte-se, invertendo-se também o espaço (e o tempo) para os dois protagonistas. A amizade conquistada fortalece-se, mas as motivações, os medos, os prazeres e a rotina trocam de lado e adensam-se, inevitavelmente. Surgem então as dificuldades onde antes residiam apenas facilidades (e vice-versa), demasiado evidentes e desconfortáveis, tão fortes quanto a dureza da personalidade em si, ou tão rígidas quanto a inflexibilidade do orgulho. Tudo se resumirá às mais pequenas e pertinentes questões: estará  Dersu, um homem que respira a floresta e o campo como se de oxigénio se tratasse, preparado para enfrentar o meio Urbano, o meio onde o ambiente é mecanizado, formatado e contido? Ou alguma vez conseguirá um cidadão (como o oficial russo) assimilar tamanho conhecimento e destreza humanas no acto de sobrevivência e subsistência no meio selvagem? As respostas não são simples, nem tão pouco conclusivas perante o que assistimos. Bem patente, no entanto, revela-se a pequenez humana perante a magnitude das paisagens, sobretudo, a selvagem, a mais verdadeira, aquela a que Dersu faz parte e a que o oficial russo (e nós) nos apercebemos como mais poderosa e essencial (ainda com tanto por desvendar).

Trata-se, pois, de um exercício narrativo e didáctico tremendo e muito bem escrito. Kurosawa, num estilo mais poético do que o habitual, conta-nos uma história de amizade, de partilha e de bom-senso, mas acima de tudo, remete-nos para o valor unitário do ser-humano inserido numa escala desmesuradamente superior. É neste contexto que o cineasta também nos conduz para o significado do tempo e da vida, tão efémera quanto a memória dos que cá ficam, dos que se lembram. Valores estes que depois são (re)tratados na sua maioria à distância, em magníficos planos gerais perfeitamente enquadrados sempre com as duas personagens (humanas e naturais), como se nunca tirasse partido apenas de um detalhe, ou da folha da árvore ou do rosto do homem, antes nos mostrando (e não sensibilizando) os acontecimentos, única e exclusivamente. Toda essa imponência fílmica e narrativa nunca é, nessa medida, desviada, nunca se desvirtua, porque invariavelmente aponta ao essencial e logo à profundidade que temas deste calibre requerem.


Soberba ainda a fotografia que completa o quadro e nos brinda com contrastes e luminosidades de paisagens absolutamente deslumbrantes. E se por um lado se pode dizer que este é um filme sobre a natureza, sobre a dualidade entre o natural e o artificial e sobre a noção de escala entre o Homem e o meio-ambiente, por outro, é acima de tudo um filme que nos transporta para a autenticidade e para a amizade na relação entre os seres-humanos, no caso de duas pessoas tão diferentes social e culturalmente, o que é extraordinário e simplesmente maravilhoso.

"How can man live in a box?"

Crítica nomeada em 'Melhor Crítica de Cinema' nos TCN Blog Awards 2012


Jorge Teixeira
classificação: 9/10

2 comentários:

  1. Excelente crítica, Jorge! Gostei mesmo muito e ainda não vi o filme que aqui destacas. Será para breve, espero. :)

    Cumprimentos cinéfilos.

    ResponderEliminar
  2. INÊS MOREIRA SANTOS, Muito obrigado. Agrada-me imenso que tenhas gostado, até porque é capaz de ser das críticas que mais prazer me deu de escrever.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

    ResponderEliminar

Partilhe a sua opinião e participe no debate. Volte mais tarde e verifique as respostas para continuar a discussão. Obrigado.