30.4.14

À Boleia (18)

Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Entrevistado: Victor Afonso, autor do blogue O Homem Que Sabia Demasiado.
Obrigado, Victor, pela colaboração.

Caminho Largo: Como distingues e como, consequentemente, aprecias um filme crítica e/ou pessoalmente? O que mais privilegias?

Victor Afonso: Sem uma grande história, raramente há um grande filme. Sem um aspecto formal apurado, raramente há um filme notável. Ou seja, no meu entender, o conteúdo e a forma têm de estar ao mesmo nível para se dizer se estamos perante um grande filme ou um filme menor. Quando era miúdo e via westerns e policiais, gostava sobretudo da história. Mas à medida que fui crescendo e apreendendo outras referências estéticas, comecei a dar também muita importância à linguagem cinematográfica em geral. Por isso gosto especialmente do Expressionismo Alemão e do cinema Noir, que são duas correntes que deram muito valor à composição plástica da imagem sem descurar uma boa história. Mas se me perguntarem se gosto mais de ver um bom filme ao nível da história mas fraco ao nível da realização/montagem ou um bom filme ao nível visual mas fraco no argumento, eu escolho a segunda opção.

CL: Onde está a especificidade e, portanto, a essência do cinema? Na montagem, na realização ou no argumento? Ou em todas em conjunto? Em que proporções?

VA: Partilho a ideia do Mark Cousins na sua monumental obra “Story Of Film: An Odissey”, quando refere que o que fez avançar a história do cinema foram as ideias visuais dos realizadores, mais do que qualquer outro factor. Por isso, para mim a verdadeira essência do cinema está na imagem, ou seja, na realização – seguida de muito de perto da montagem, que foi essencial para definir a arte cinematográfica (desde o período mudo com as teorias de Eisenstein). O poder da montagem é incomensurável na linguagem cinematográfica, é esta técnica que melhor define o ritmo de um filme e que determina a forma como o espectador olha e apreende as imagens.

CL: As fronteiras da indústria do cinema colidem muitas vezes com um cinema mais independente ou, se quisermos, mais intelectual. Em que medida essa convivência é saudável, nefasta ou desequilibrada?

VA: A convivência parece-me saudável. É como na música: sempre houve música mainstream e música alternativa e independente. O cinema de autor, independente e alternativo, sempre encontrou o seu próprio espaço, a sua forma de afirmação. Historicamente, tem sido até o cinema mais independente e de autor que tem manifestado maior capacidade de inovação estética e artística, enquanto o cinema mainstream tende a massificar-se tornando-se numa produção industrial repetitiva. Certo é que há um claro desequilíbrio no número de estreias de cinema independente face ao cinema comercial. Raramente há estreias comerciais de cineastas alternativos e o público que quer seguir a tendência deste tipo de cinema, tem de assistir aos festivais de cinema temáticos vocacionados para tal.

CL: A sétima arte é actualmente uma das artes mais influentes, senão a mais influente, na cultura em geral. Que papel atribuis à mesma tendo em conta o seu potencial formativo e educativo e não a sua actual, mais abrangente e comercial aplicação?

VA: O cinema sempre teve uma enorme capacidade educativa e pedagógica. Há uma personagem no filme “Grand Canyon” de Lawrence Kasdan que diz que tem problemas na vida, ao que um amigo lhe responde: “Se tens problemas na vida, vai ao cinema. O cinema tem todas as respostas para os problemas da vida”. É assim que entendo o poder do cinema (que também pode ser atribuído à grande literatura). Mas não esqueçamos que o cinema apenas existe há pouco mais de 120 anos, é ainda um bebé comparado com as artes clássicas, como a poesia, a pintura, a literatura ou a dança. E ao contrário do que muitos pensam, tem ainda muito que evoluir, não está morto, adapta-se continuamente às novas tecnologias (como foi no tempo do sonoro e da cor), criando novas e estimulantes experiências audiovisuais.

CL: Comenta a seguinte citação do realizador Robert Bresson: "Duas espécies de filmes: os que empregam os meios do teatro (actores, encenação, etc.) e se servem da câmara para reproduzir; aqueles que utilizam os meios do cinematógrafo e se servem da câmara para criar."

VA: Conheço bem o livro de onde foi retirada essa frase: “Notas Sobre o Cinematógrafo” de Robert Bresson, um conjunto fascinante de pensamentos sobre a visão do cineasta do cinema e da arte. Quanto à frase, eu julgo que, à semelhança de Dreyer, Bresson foi um purista da imagem, um esteta minimalista do gesto de filmar. No fundo, Bresson fez um misto das duas coisas ao longo da sua carreira: utilizou magistralmente os actores e a encenação e usou como ninguém a câmara para criar, porque é esta que capta a essência do real, a essência filtrada pela câmara do realizador.

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