27.1.14

À Boleia (16)

Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Entrevistado: Hugo Gomes, autor do blogue Cinematograficamente Falando....
Obrigado, Hugo, pela colaboração.

Caminho Largo: Habitualmente como avalias, estruturas e classificas todo e qualquer filme? Há sempre algum ponto de partida ou oscila de caso para caso?

Hugo Gomes: A avaliação e consideração dos filmes nas minhas críticas e textos deriva de vários factores, como também das minhas necessidades cinematográficas. Com isto saliento que não avalio os filmes por iguais, existe sempre uma apreciação para os diferentes géneros, estilos, intenções e nacionalidades. Como por exemplo, uma comédia tem que funcionar não por via dos seus gags mas pelos seus personagens e argumento, o terror tem que saber arrepiar ou em todos os casos criar novas fronteiras, nos blockbusters aprecio a modéstia, se existir, e nos seus objectivos como entretenimento e no cinema de autor, esse, o qual tenho mais cuidado na apreciação, tem que saber a acima de tudo comunicar com o espectador. Porém e como tenho reparado ao longo da minha "viagem" pelo cinema, sou um aficionado não pelo argumento em si, mas pela forma como é exposta, a narrativa. Talvez seja por isso que estou constantemente a abordar a narrativa dos filmes por "tu", a sua planificação e os seus diversos ritmos. Quantos às notas, admito que tento ser o mais cuidadoso possível, o qual são dadas diante daquilo que exprimi em texto. Esforço em ser imparcial, mas acima de tudo detentor de uma opinião independente e persistente.

CL: Na sua essência e no seu conceito, o que é para ti o cinema? Mais arte ou mais entretenimento?

HG: Esse é sim, a questão das questões para qualquer cinéfilo e consoante a resposta, aquilo que o define. Eu penso que o cinema, acima de tudo é uma interacção com o público, uma forma corrente de espalhar a sua mensagem, as suas intenções e visões. É uma arte polivalente, versátil e multifacetada que tão bem funciona como "peça de museu", como também "circo". E é nessas temáticas que se concentra a verdadeira essência do cinema, ele é como barro moldado por diversas mãos, o qual são sujeitas a diferentes “impressões digitais” que permanecem salvaguardados para a posteridade. Entretenimento ou arte, o cinema não se fica por uma única posição, e é isso que o distingue.

CL: Como diferencias genérica, temática e conceptualmente Hollywood do resto do mundo, em especial do Cinema Europeu? Os seus objectivos e as suas motivações, à partida e à chegada, conferem-lhes maior ou menor qualidade?

HG: O grande problema de Hollywood é o facto de se assumir como uma indústria de entretenimento, uma “fábrica” capitalista que se esconde por entre o glamour e o brilhantismo. E tal como uma “fábrica”, onde o negócio soa como o elemento predominante da produção, o profissionalismo é a preocupação e para isso há que conformar com a fórmula. Infelizmente nos dias de hoje, o cinema de Hollywood é composto por fórmulas, modelos académicos, lugares-comuns ou simplesmente os mesmos esquemas narrativos, tudo isto satisfaz o espectador, aliás se encaramos a realidade em linguagem de restaurantes, podemos comparar a grande parte do cinema vindo dos cantos do "Tio Sam" como autênticos pratos de fast-food, são populares, fáceis de digerir e deixam no mínimo as audiências satisfeitas, mesmo que a fome "cinematográfica" não esteja por completo saciada. Ódio gradual dos grupos elitistas e puristas, confesso que cada vez mais sinto desprezo pelo cinismo de Hollywood, temos que acima de tudo admitir que muita da linguagem cinematográfica e da tecnologia e práticas capaz de elaborar novos campos narrativos e fílmicos advém desse cinema norte-americano de requinte. Ou seja, por um lado temos muito que agradecer e a dever a Hollywood. Quanto à Europa! Ao contrário daquilo que muitos pensam, o cinema é originariamente europeu, os irmãos Lumiére foram os responsáveis pela invenção do cinematógrafo, mecanismo pelo qual foi possível projectar as primeiras imagens em movimento e com isso a expansão da Sétima Arte propriamente dita. Durante muito tempo, a Europa (mais particularmente a França) eram as Hollywoods da altura do cinema mudo, as constantes inovações e as fronteiras da tecnologia em si. Em consequência da 1ª Guerra Mundial, o cinema europeu ficou badalado e devastado pelo panorama social que se vivia, o desfecho do conflito ditou a soberania do cinema. Enquanto a Europa tentava "renascer" dos escombros e da "humilhação", os EUA tinha agora o poder sobre a capital do Velho Mundo, o retardamento de um levou ao avanço de outro. Mas felizmente e tendo em conta aquilo que vivemos e experienciamos, o cinema europeu conseguiu dar a volta e duas uma, ou aspira nas fórmulas hollywoodescas ou transcende de um estilo próprio. Ao contrário da chamada "fabrica dos sonhos", o cinema do Velho Mundo é maioritariamente mais amargurado, cinzento, realista e existencial. Apenas temo que esse padrão se instale por completo na sua essência.

CL: Nesse sentido, onde enquadras o Cinema Português? Por onde se deverá enveredar para o mesmo se autonomizar e se divulgar mais?

HG: O problema do cinema português é que é um cinema imaturo que teve à força de acompanhar o desenvolvimento dos grandes. A nossa aposta cinematográfica foi tardia, aliás limitada pela nossa ditadura que impediu um desenvolvimento gradual do nosso património cinematográfico. Tal se notou também na mentalidade dos nossos espectadores, que se agravou (e ainda agrava) com a fraca cultura cinéfila, ou a ausência de uma educação nesse ramo. É triste ver um país que cada vez mais abandona as nossas raízes culturais, apesar do cinema nunca ter tido lugar no programa educacional das escolas. Devido a isso temos um leque de uma audiência cinematográfica impaciente, inconformada e pouco dedicada aquilo que se chama "cultura", o que se complementa com os nossos "artesãos" que confundem o amadorismo com o experimental. Obviamente que temos profissionais no sector, mas infelizmente são mais os incompetentes que normalmente os competentes, mas isso é outra história! Para o cinema português, o cenário futuro é uma incerteza. Actualmente são produzidas excelentes obras que alcançam "lugares" onde o cinema português nunca esteve, contudo carecem de público. A culpa para tal advém de inúmeros factores, a falada fraca educação cinematográfica até à própria mediocridade de muita comunicação social que prefere promover o blockbuster norte-americano com mais dedicação que o nosso património, depois existe uma débil preocupação em divulgar tais obras por parte das produtoras. É triste mas ainda continuamos a preferir o circo.

CL: Comenta a seguinte citação do realizador Alfonso Cuarón: "A única razão para se fazer um filme não é fazer ou propor-se a fazer um bom ou um mau filme, é apenas ver o que se pode aprender para o próximo."

HG: Aliás como tudo na vida, deve-se aprender com os erros, as glórias, com os nossos passos em geral e nunca, como popularmente citando "descansar à sombra da bananeira". Akira Kurosawa dizia que o artista só chegará à perfeição na sua arte no seu octogésimo ano de vida, no trajecto até essa crucial etapa eram somente ensaios e tentativas. Engraçado é que na altura que o autor proferiu tais palavras já possuía obras como Rashomon ou Seven Samurai na sua filmografia, o que para muita gente são patamares altíssimos da Sétima Arte. Quem concretiza ou se envolve com filmes deve ter a noção de que tudo o que se faz, o que produz, o que se presta é só meio caminho andado para um objectivo maior, a derradeira obra. Porém é verdade que a chamada "derradeira obra" é um fruto de romantização do artista face à sua jornada artística, trata-se do motivo pelo qual se lançam a uma batalha que nunca será terminada - a da perfeição. Diante de tais palavras, Alfonso Cuarón acredita piamente que o dito artista mantêm uma eterna posição de aprendiz, não em relação a eventuais mentores ou dogmas, mas à sua própria excursão. E os verdadeiros homens da Arte admitem tal maldição. A busca pela matriz única e capaz, tal como Almada de Negreiros proclamou quando segundo este, descobriu a fórmula uniforme da forma. Aliás até os mestres estão sempre a aprender.

2 comentários:

  1. Quero agradecer desde já esta oportunidade e felicitar Jorge Teixeira pelo excelente trabalho revelado nesta trilho para a 7ª Arte. Abraço

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  2. HUGO GOMES, Muito obrigado nós pela colaboração e pelas simpáticas palavras :)

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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