22.1.14
15.7.13
Cenas (6)
Full Metal Jacket (1987), Stanley Kubrick
É praticamente unânime a ideia de Kubrick ser genial. Mas essa genialidade não é aparente e superficial no que somente à popularidade dos seus filmes diz respeito, é, com efeito, também na análise plano a plano, cena a cena, ou de objectivo em objectivo que se constata pormenores e propósitos concretos que sustentam e substanciam a excelência da mente do cineasta. A concentração deve ser, portanto, máxima em todos os seus filmes (e em todos os sentidos) até ao ponto de se atingir, e sermos atingidos, invariavelmente pelo substracto final e por uma experiência global e totalmente imersiva.
A cena aqui destacada pertence ao filme Full Metal Jacket, a incursão de Kubrick na guerra ou a sua interpretação da mesma, sendo que é bem evidente a minúcia e o cuidado no detalhe, seja na preocupação de seguir ou ocultar o momento, seja no relaxe, no gozo e no aproveitamento das potencialidades morais e satíricas do acto de combater em si. Começa no "toca e foge" do soldado a falhar e a matar de seguida alguns inimigos (arrancando aqui a música ou o pecado e a irresponsabilidade de um sentimento de felicidade ingénua), passa pela (omi)presença de um helicóptero pronto a transportar e a aliviar os feridos (o mesmo que voa ou desaparece dali para fora no fim), culminando na encenação de um plano dentro de outro em que os intervenientes distribuem e brincam aos papéis ou às personagens de um hipotético filme, no que será provavelmente o auge de toda a cena. Ao som de Surfin' Bird dos The Trashmen e pelo andamento e movimento da câmera, assistimos a uma mudança de escala e a um distanciamento maior face à acção, presenciando simultaneamente a descontracção em primeira instância, e em primeiro plano, e por detrás o horror da destruição num contexto incrível de jogo e guerra. De uma estupidez e de uma ignorância como só Stanley Kubrick sabe transmitir.
categorias:
Cenas,
Full Metal Jacket,
Recortes
6.10.12
Full Metal Jacket (1987)
Nascido para Matar, Stanley Kubrick
Tudo na guerra é ridículo, é estapafúrdio, desde a fase de recrutamento em que se transformam homens singulares e conscientes em máquinas vulgares e básicas, até à fase da acção, do confronto bélico entre nações e entre seres ética e moralmente iguais. Kubrick condena isso, e com este filme tenta-o demonstar, talvez como nunca - a estupidez de todo este processo de matar e destruir a natureza e a própria humanidade.
O filme divide-se em duas partes, sendo a primeira a tal do recrutamento, em que os soldados são preparados e treinados para encarar o que se seguirá como inevitável e essencial. O homem desfigurado num monstro, num ser sem consciência e sem identidade. Na prática, é induzido a agir como se de uma criança se tratasse - nasceste para matar e para evitares seres morto, mas terás de ter fé para sobreviveres (passe o ironismo e a contradição), unicamente para continuares, outra vez, a matar. Portanto, a cruz, levada ao peito, é o veículo para não perder a esperança de forma a alcançar a tão desejada paz, tal como o capacete, no qual está escrito "born to kill", é o chamariz e a motivação para matar sem dó nem piedade. Mais incongruente que isto não sei o que será, de tão grave e ingénuo que é. Daí a infantilidade imposta e apre(e)ndida ferverosamente na fase de recruta, às custas de muito treino e disciplina (des-educação).
Numa segunda parte, seguimos os soldados já inseridos na acção, imersos nas tácticas e técnicas da guerra. Todo o vocabulário e o comportamento é, pois, ponto assente, está assimilado. O inimigo é o objectivo e o alvo a atingir, assim como o companheiro do lado é sagrado, é a única réstia de amizade, de valores e de humanidade que existe dentro de tais monstros. Pode-se brincar, desanuviar e até cantar, mas o cenário é de destruição, de fogo, e por isso nunca esquecível.
Este mundo é, senão, terrivelmente simples, quais crianças - ou se está a matar, ou se está a conviver com os camaradas, ás vezes as duas coisas em simultâneo, mas sempre em convivência uma com a outra, como se ambas se pudessem sequer conjugar. Não há aqui, apesar de tudo, grandes responsabilidades, porque essas vêm de cima, das autoridades que controlam e manipulam estes verdadeiros peões no campo de batalha.
Este mundo é, senão, terrivelmente simples, quais crianças - ou se está a matar, ou se está a conviver com os camaradas, ás vezes as duas coisas em simultâneo, mas sempre em convivência uma com a outra, como se ambas se pudessem sequer conjugar. Não há aqui, apesar de tudo, grandes responsabilidades, porque essas vêm de cima, das autoridades que controlam e manipulam estes verdadeiros peões no campo de batalha.
O drama é, deste modo, procurado e eficazmente transmitido, mas de forma algo satírica. Kubrick é exímio nesse retrato hilariante e nessa capacidade espirituosa de fugir a qualquer tipo de estrutura tipificada e clicherizada do sub-género (à data tão recorrente). Nesse sentido, a abordagem é invulgar, sendo a câmera interventiva e incisiva ocasionalmente, como se ela própria procurasse os segredos e as vergonhas por revelar, aqueles cadáveres que ninguém se quer lembrar, mas que estão lá, que aconteceram (o final da primeira parte alude a isso mesmo). Ainda no encalço da câmera se obtém alguns enquadramentos destacáveis, na evidência do seu propósito, dando a sensação que o realizador quer, de vez em quando e em pontos-chave, gravar-nos determinada ideia ou ilação sob um contexto perfeitamente delineado e assimilado.
Há cenas, igualmente, de absorver de tão marcantes que são (como aquela em que vemos os próprios soldados a filmar e a distribuir papéis uns aos outros em pleno tiroteio e ao som da faixa "Surfin' Bird"). Estas, invariavelmente, estão muito bem acompanhadas, seja ao som da excelente banda-sonora seleccionada, seja ao som de todo o ambiente recolhido e trabalhado, na alternância rítmica e ponderada entre ruídos e silêncios. Daí que a acção e o seu protagonista (que vai variando), assumem o controle total cena após cena, que por meio da realização, sobretudo dos travellings (estilo videojogo), nos vão induzindo para dentro das tácticas e das emoções, ao ponto de nos apercebermos da irrelevância e do absurdo de tudo isto, de toda a guerra em si. E é desta forma que Stanley Kubrick fornece a sua visão, exemplificada, neste caso, no Vietname, mas acima de tudo, na nossa consciência.
Há cenas, igualmente, de absorver de tão marcantes que são (como aquela em que vemos os próprios soldados a filmar e a distribuir papéis uns aos outros em pleno tiroteio e ao som da faixa "Surfin' Bird"). Estas, invariavelmente, estão muito bem acompanhadas, seja ao som da excelente banda-sonora seleccionada, seja ao som de todo o ambiente recolhido e trabalhado, na alternância rítmica e ponderada entre ruídos e silêncios. Daí que a acção e o seu protagonista (que vai variando), assumem o controle total cena após cena, que por meio da realização, sobretudo dos travellings (estilo videojogo), nos vão induzindo para dentro das tácticas e das emoções, ao ponto de nos apercebermos da irrelevância e do absurdo de tudo isto, de toda a guerra em si. E é desta forma que Stanley Kubrick fornece a sua visão, exemplificada, neste caso, no Vietname, mas acima de tudo, na nossa consciência.
"I wanted to see exotic Vietnam... the crown jewel of Southeast Asia. I wanted to meet interesting and stimulating people of an ancient culture... and kill them."
Private Joker
★★★★★★★★★★
Jorge Teixeira
Jorge Teixeira
classificação: 9/10
links: IMDb, FilmAffinity, ICheckMovies, MUBI
categorias:
*10 (Pedro),
*9 (Jorge),
1980's,
Críticas,
Drama,
Full Metal Jacket,
Guerra,
Reino Unido,
Stanley Kubrick