Colateral, Michael Mann
Entre o ritmo pulsante e a acção contida, mas vibrante, está o grande trunfo deste filme. Obra que, a bem dizer, é coerente e identificativa dos traços de Michael Mann, o artífice por detrás das câmeras e o homem que é capaz de filmar a cidade e a sua noite com uma personalidade invejáveis. A reboque das personagens e das suas convicções, somos conduzidos para uma trama misteriosamente camuflada e à mercê de inúmeras metáforas, sempre envolta num clima de ansiedade e suspense, e segundo uma atmosfera irrequieta, vadia, que nunca dorme.
Num táxi entra um cliente, e na cidade entram dois destinos, dois flancos do mesmo campo mental, tal como na noite entramos nós, espectadores, à boleia com Mann e os seus permeáveis planos aéreos. De um lado, o taxista que planeia a vida, os seus sonhos, a sua família, o seu trabalho e as conquistas para o sucesso, do outro, o cliente, o vilão e o assassino que não cobiça qualquer futuro ou esforço algum em busca de um ideal caracterizado por signos e valores moralmente (e previamente) aceites. No seguimento, os (aparentes) opostos atraem-se e na necessária e inevitável confrontação os efeitos colaterais sobressaem-se e sobem à tona em electrizantes debates e em angustiantes combates (à boa maneira dos gangsters).
Temos, portanto, dois eixos numa mesma história, diametralmente distinguíveis, mas humanamente confusos e questionáveis, quase como se pudéssemos e tivéssemos a capacidade de enveredar por um ou por outro se tal fosse a nossa intenção, isto sem descrédito nenhum para o desenrolar dos acontecimentos, porque na verdade ambos os protagonistas têm algo de aliciante, de cativante, algo que nos diz respeito e com que nos identificamos. A competência do argumento neste aspecto é impecável, diga-se de passagem, embora a concretização ou as interpretações pudessem estar mais intensas (os actores apesar de tudo estão bem). A narrativa, essa, avança assim, desde a contenção à acção frenética e entusiasmante, sempre na cadência e tensão certas e sem grandes exageros ou montagens alucinantes (o que é de salutar).
A realização, por seu lado, está noutro patamar, tanto na vivacidade da pequena escala (ou do enredo propriamente dito), no carro - espaço confinado e expressivamente amplificado - ou até no metro, como na luminosidade e transparência da grande escala - Los Angeles - fabulosamente descrita e interpretada. Michael Mann é exímio neste retrato a três dimensões e em alta definição (dois intérpretes e uma cidade), ao arquitectar um gradual jogo de poder e de suspeita, incutindo simultaneamente a audiência a questionar, a duvidar e a reflectir sobre o que vê e o que não vê.
Colateral pode-se definir como um cruzamento de duas vidas, de duas jornadas, que na colisão dissipam belas sequências de diálogo e de acção exemplar e lateralmente filmadas na vivência urbana e nocturna de L.A., mas, sobretudo, conservam um rol de dúvidas e receios pessoais que, no fundo, dizem respeito a todos nós como indivíduos e como sociedade. Cada consciência fará por si e para si tudo o que a motivará, tudo o que acreditará e necessitará e, aí, os dois protagonistas aqui em foco são uma mera amostra, são duas faces da mesma moeda, adequadamente encaixada num nível entre tantos outros e onde a realidade é bem mais estratificada e abrangente. Alicerçado então por diversas camadas de entendimento e envolvimento, o filme acaba por impressionar na medida em que converte um argumento interessante numa experiência admirável.
★★★★★★★★★★
Jorge Teixeira
Jorge Teixeira
classificação: 8/10
links: IMDb, FilmAffinity, ICheckMovies, MUBI
Tenho tantas saudades deste brilhante filme. A ver se o revejo em breve, é tão bom e prazeroso de se assistir.
ResponderEliminarRoberto Simões
CINEROAD
cineroad.blogspot.com
ROBERTO SIMÕES, Uma viagem, diria, incansável e por demais prazerosa. A saudade de o revisitar também me assola de vez em quando.
ResponderEliminarCumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo