21.7.13

À Boleia (2)

Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Entrevistado: João Palhares, autor do blogue Cine Resort.
Obrigado, João, pela colaboração.

Caminho Largo: Qual a principal característica ou valor essencial que um filme deve ter?

João Palhares: Eu prefiro dar aos filmes algum espaço de manobra de antemão, não partir para eles à espera que sejam assim ou assado... Portanto características, zero. Se for mesmo um filme já não é mau.

CL: O cinema está mais nos planos e nos movimentos de câmera ou na sua narrativa e mensagens subliminares? Ou na simbiose e na relação estreita e satisfeita entre os dois lados?

JP: O Samuel Goldwin disse que quem quisesse enviar mensagens devia usar a Western Union. Eu concordo. Em relação à narrativa, claro que tem que haver uma relação, não necessariamente estreita, não necessariamente satisfeita, que o conflito tem que nascer de alguma maneira. Mas a resposta tem que estar nas personagens, porque entre narrativas e mensagens há muito poucas combinações. Mas se aquela pessoa é assim e talvez mereça um plano para ser assim e a virmos assim, sem mais, a coisa pode ser especial. Que se tenha o estofo para dar a câmara e o tempo aos outros, sem mentiras, que é como dizer "saber o que se está a fazer" ou como mostrar o 'Duke' Wayne durante uns segundos a atravessar a cidade de Rio Bravo.

CL: Conteúdo vs Forma. Onde situas e a que associas cada um destes conceitos num filme?

JP: O conteúdo associo às grandes injustiças no cinema. É o conteúdo que faz alguns cineastas e é o conteúdo que desfaz outros, muitas vezes bem melhores. O conteúdo é a desculpa para não se levar certas formas a sério e o engodo que serve de bandeira aos "grandes cineastas" temáticos, licenciados da escola Stanley Kramer ou da escola Lars von Trier (ou de Todd Solondz ou de João Canijo circa Sangue do Meu Sangue). É vê-los com as mensagens e com as picardias da seriedade e com um imenso arsenal de temas para serem discutidos. As explosões e os temas servem para a mesma coisa: vender bilhetes. Mas à força toda, porque vender bilhetes por si só não é uma coisa má. A forma, se bem que também usada como bandeira por outros "grandes cineastas" (Sokurov, irmãos Coen), é ainda um grande mistério, e que não lida só com o esquema da coisa (a forma não são storyboards). A forma é o que faz um filme, mas o que é que faz um filme?

CL: Diz-se geralmente que a arte (e o cinema associado) é fortemente subjectiva. Concordas com esta posição? Haverá algo de objectivo no objecto artístico?

JP: Já concordei, já. Agora tenho menos certezas sobre o assunto. Se é tudo subjectivo, estamos numa grande embrulhada e, realmente, qualquer um é artista e qualquer um é cineasta e qualquer filme é uma obra-prima, que há sujeitos e objectos que cheguem para isso tudo. É por isso que "arte" e "artista" são palavras perigosas hoje em dia, se calhar. Parece que já não é um trabalho, não, não é esperar pela luz ou pelas palavras certas, é mais uma coisa de se estar a gostar do que se está ver e de vermos alguém explicar-se, ou analisar-se, por imagens. Os "autores" e não sei quê... Mas também é uma coisa que ultrapassa o cinema. Parece que vivemos em tempos em que se tem que ter opinião sobre tudo e isso é muitíssimo saturante. Sim, se calhar já não vivemos num século de artesãos ou dos blocos de mármore de Miguel Ângelo aos quais se tira tudo o que não é necessário, se calhar cansámo-nos de falar de formas e de luz e de sombras, mas há quem vá resistindo a isso, felizmente, e não se eleve acima de ninguém. James Gray, Pedro Costa, Jacques Rivette... Goste-se ou não, acho que se pode ver que são realizadores que se ocupam precisamente do que é objectivo no cinema.

CL: Comenta a seguinte citação do realizador John Carpenter: "Os filmes são pedaços de filmes unidos em um certo ritmo, uma batida absoluta, como uma composição musical. O ritmo de criar afecta o público."

JP: É genial. Como aliás tudo o que sai da cabeça de John Carpenter.

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