Oldboy - Velho Amigo, Chan-wook Park
Estamos talvez perante uma das melhores histórias de que o cinema se serviu, genialmente preparada, cozinhada e manipulada num filme que escasseia os elogios que lhe poderemos dar. Numa obra que nem precisava de grande arrojo no plano da realização, detendo esta maravilha de argumento, é-lhe ainda adicionada um esquema e (des)organização na filmagem a todos os níveis brilhante. Chan-Wook Park é o hábil manipulador das sensações e desta constante instabilidade que se sente no decorrer da história e do encadeamento da trama, ao ponto de passar uma mensagem terrivelmente violenta e forte ao espectador, tornando-se inclusive ela própria algo estranha, incompreensível e, porque não, do outro mundo.
Desde o início, é claro e ao mesmo tempo incerto, para onde Park nos vai levar, para onde aquela rede de vingança, traição e sentimentos ocultos nos vão conduzir. Os olhos do protagonista, numa performance arrebatadora, dizem tanto e tão pouco, e nós, testemunhas, indefesos e rendidos, vê-mo-nos cedo a acompanhar e a sentir todos os passos dados por tal homem, e de arrasto, por situações que lhe vão (en)calhando, um pouco sem se perceber porquê. A claustrofobia, o medo, a solidão e a própria condição e existência humanas são temas bem evidentes aqui, que extrapolam inevitavelmente para fora do ecrã. Daí que as interrogações são mais que muitas e as respostas quase nenhumas, e durante muito tempo a confusão e a incompreensão não diminuem. O enigma vai permanecendo, mas sempre em doses apelativas e nunca frustantes, tanto quanto a desconfiança da resolução que presumivelmente se traduzirá à nossa frente.
Por outro lado, e paradoxalmente, vamos edificando uma espécie de confiança na expectativa e na própria história em si, quase como se fosse impossível nos defraudarem com o levantamento do véu, com a solução daquele quebra-cabeças, cada vez menos importante. Isto porque o deleite visual, sonoro e interpretativo é constante, atingindo mesmo patamares de rara imprevisibilidade, diversidade e originalidade. Tudo se constrói, física e psicologicamente, de forma surpreendente e por demais virtuosa, pelo que se compreende que às tantas já estamos divididos num equilíbrio entre o prazer de assistir a tão belas sequências e entre tentar desvendar o propósito deste jogo, digamos.
Talvez já não interesse se o final é de ficar de boca aberta, talvez o que importe mesmo é a reflexão e as sub-camadas de um puzzle que se encaixa diante de nós. O interessante, para além da inequívoca qualidade dos efeitos narrativos, está no reflexo e na força com que somos atingidos por eles mesmos, pela mensagem central e marginal, ou pelos temas de ódio, maldade, compaixão, lembrança e esquecimento. O passado estará sempre na mesma balança que o futuro, numa espécie de peso ideal, e a esperança é tão necessária quanto a verdade e a culpa dos actos praticados.
Talvez já não interesse se o final é de ficar de boca aberta, talvez o que importe mesmo é a reflexão e as sub-camadas de um puzzle que se encaixa diante de nós. O interessante, para além da inequívoca qualidade dos efeitos narrativos, está no reflexo e na força com que somos atingidos por eles mesmos, pela mensagem central e marginal, ou pelos temas de ódio, maldade, compaixão, lembrança e esquecimento. O passado estará sempre na mesma balança que o futuro, numa espécie de peso ideal, e a esperança é tão necessária quanto a verdade e a culpa dos actos praticados.
Destaque para a montagem de toda a película, provavelmente o factor decisivo, unificador e de classe para a excelência do projecto final, bem como de uma cena em particular, o plano-sequência da luta entre o personagem principal e uns quantos (muitos) adversários, em que a câmara assume vontade própria, desenhando e programando a acção num estilo impróprio e em ângulos, no mínimo, irreverentes e audazes, e no máximo, de uma criatividade, capacidade e versatilidade imensas. Um exímio exercício, de um formalismo e confluência de géneros assaz inovadores. O grafismo e algumas técnicas em câmara lenta são igualmente muito bem utilizados e enquadrados na intensa narrativa, neste exemplo mas de um modo geral.
Grande parte das cenas são ainda, aliás, de uma ambiguidade desarmante e, não menos, inquietante. Detentoras, por vezes e em simultâneo, de uma contenção e brutalidade sem precedentes. Para isso a fotografia e toda a atmosfera do filme estão à altura, a condizer e a respirar entre si e ainda adequadas aos níveis de emoção presentes. Tal como a banda sonora realça e sublinha parágrafos certeiros do guião. Então os momentos finais são qualquer coisa de irreal, de tão poderosos, simples e aflitivos que se tornam, confirmando e arquivando este Oldboy como uma peça de arte em bruto, de um grau de perfeição ímpar.
Grande parte das cenas são ainda, aliás, de uma ambiguidade desarmante e, não menos, inquietante. Detentoras, por vezes e em simultâneo, de uma contenção e brutalidade sem precedentes. Para isso a fotografia e toda a atmosfera do filme estão à altura, a condizer e a respirar entre si e ainda adequadas aos níveis de emoção presentes. Tal como a banda sonora realça e sublinha parágrafos certeiros do guião. Então os momentos finais são qualquer coisa de irreal, de tão poderosos, simples e aflitivos que se tornam, confirmando e arquivando este Oldboy como uma peça de arte em bruto, de um grau de perfeição ímpar.
"Your gravest mistake wasn't failing to find the answer. You can't find the right answer if you ask the wrong questions."
Woo-jin Lee
Woo-jin Lee
★★★★★★★★★★
Jorge Teixeira
Jorge Teixeira
classificação: 9/10
links: IMDb, FilmAffinity, ICheckMovies, MUBI
Excelente review Jorge, e grande filme, sem dúvida!
ResponderEliminarMuito Bom ! É o meu filme asiático favorito. O Cinema coreano tem-se revelado o mais apelativo daquele continente nos últimos anos.
ResponderEliminarCumprimentos e boa sorte para o Caminho Largo nos TCN Awards.
ResponderEliminarGrande Jorge, mais uma excelente crítica! Lembro-me de na altura que vi este OLDBOY o ter admirado mais que adorado, mas ainda assim é um dos filmes asiáticos incontornáveis da última década.
Engraçado, revejo nas tuas críticas uma finesse digna de um outro grande senhor da crítica cinematográfica da blogosfera, o sr. Roberto Simões do Cineroad. Até partilham semelhanças no nome do blogue e tudo ;) Toma isto como elogio, claro, porque eu venero o Roberto.
Continua no bom caminho o Caminho Largo! Abraço!
Sem dúvida é um grande filme, por sinal o melhor da trilogia d Chan Wook Park. Os outros Sympathy for Lady Vengeance e Sympathy for Mr. Vengeance também são bons filmes, mas estão abaixo de Oldboy.
ResponderEliminarAgradeço pela visita ao blog, estou linkando o endereço do seu blog por lá.
Abraço
Excelente crítica como sempre, Jorge! Eu adoro filmes asiáticos e claramente que Oldboy consta na minha lista!. Tenho mesmo pena que vá haver um remake...
ResponderEliminarSarah
http://depoisdocinema.blogspot.pt
É um bom filme sim. Na altura que o vi, foi pelo tremendo hype que o acompanhava e achei-o bastante forte e bem "orquestrado" mas não me ficou assim tão marcado como sucedeu a imensa gente e a ti, tal como a tua critica torna bem evidente, Jorge. Mas concordo que é um tremendo filme. Boa review.
ResponderEliminarCARLOS MARTINS, Obrigado Carlos. Estamos então totalmente de acordo :)
ResponderEliminarANTÓNIO PALMA MENDES, Obrigado. Para mais informações ou debate sobre este Oldboy temos sempre esta caixa de comentários, sendo que ainda contamos referenciar o filme mais vezes, dada a sua imensa qualidade.
ANDRÉ SOUSA, Obrigado. Senão é o meu filme preferido daquele continente, fica lá muito perto, pelo que compreendo perfeitamente essa escolha e identificação. Costumo dizer muitas vezes, se é notória hoje em dia a falta de criatividade por terras americanas, o Oriente, em geral, compensa esse desequilíbrio muitíssimo bem. É estar atento para aqueles lados e comprovar isso mesmo.
JORGE RODRIGUES, É sempre bom receber feedback positivo, pelo que obrigado pelos elogios. O Roberto é uma das grandes referências para este blogue, porventura a referência, daí que me revejo em muito do que dizes, inevitavelmente, e me sinta muito honrado em me equiparares a tal estatuto, por assim dizer :). Quanto ao filme aqui visado, compreendo a tua posição, se bem que o adoro tanto quanto o admiro eheh.
HUGO, Da trilogia da vingança de Park, este é claramente o melhor, de acordo, mas os outros dois que referes são igualmente bons - bem filmados. Retribuo o agradecimento pela visita :)
SARAH, Obrigado, fico contente que tenhas gostado das outras também :). Também adoro, cada vez mais, filmes asiáticos. O remake que se avizinha também me desagrada, mas enfim antes pegar-se em bom material que mau, não é verdade.
ARMPAULOFER, Obrigado. Apesar de não te ter marcado tanto como a mim, reconheces as suas tremendas qualidades, e isso já é muito. Talvez numa possível revisão te agrade mais, quem sabe.
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
(comentario tardio, mas estava aqui a vasculhar o blog)
ResponderEliminarAnyway, só para dar a minha opinião em relação à trilogia. Pessoalmente acho o primeiro Mr Vengeance muito mediocre e desinteressante. Não só comparado com outros filmes do realizador, mas sobretudo com outros thrillers sul-coreanos dos ultimos 15 anos. Acho que a única razão porque as pessoas começaram a aclamar tanto o Mr Vengeance, foi simplesmente por se incluir nesta trilogia Vingança e ser "primo" do Oldboy, que maior parte das pessoas viram antes de terem visto o Mr Vengeance.
Quanto ao Oldboy...gosto do filme. Mas não considero uma obra assim tão incontornável. Mais uma vez, comparando com a "vaga" de cinema asiatico (coreano, japones e chines em particular) da ultima década, penso que o Oldboy "apenas" teve a sorte de ganhar muito mais mediatismo no ocidente que outros filmes asiáticos que ficaram mais perdidos entre os fãs de cinema asiático mais hardcores e de nicho.
Na minha opinião, a verdadeira grande obra-prima da trilogia Vingança, é mesmo o último, Lady Vengeance. Esse sim para mim é um filme que triunfa a todos os niveis, seja pelo seu argumento e trabalho de actores, como pela própria arte visual e cinematográfica que apresenta. Um filme enorme, e que infelizmente nunca recebeu junto do grande público a atenção que tanto merecia (como apenas aconteceu com o Oldboy). Aliás, maior parte das vezes que eu vejo pessoas a dizerem que o melhor é o Oldboy e que os outros dois não são tão bons, fico muitas vezes com a forte sensação que nunca viram realmente os 3 filmes...
LEINAD, Sim uma das razões porque se fala de todos os filmes da chamada trilogia da vingança é o facto do Oldboy ter tido a projecção que teve. E aí não concordarei contigo, acho que o Oldboy não teve propriamente sorte, acho que tem, isso sim, um argumento por demais intrincado e surpreendente (quanto virtuoso) que o fez catapultar para a aclamação que teve um pouco por todo o lado. Chamar-lhe-ia um tremendo exercício de escrita, que, anexado à sua brilhante filmagem, perfaz um filme muito bom.
ResponderEliminarQuando aos outros títulos, acho o Mr. Vengeance o mais fraco, de acordo, e o Lady Vengeance o intermédio, mas igualmente muito bom. Talvez seja o filme mais formal, mais estilizado e, por isso, mais único, mas que detém, ainda assim, um argumento inferior a Oldboy. É, contudo, discutível claro.
Obrigado pelo comentário. Volta sempre.
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Excelente texto, Jorge, sobre um GRANDE filme. Argumento, atmosfera, fotografia, banda sonora, interpretações... tudo se conjuga de forma perfeita.
ResponderEliminarCumprimentos cinéfilos.
INÊS MOREIRA SANTOS, Obrigado. Estamos, inevitavelmente, de acordo. Um grande pedaço de cinema.
ResponderEliminarCumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
Brutalidade é mesmo uma daquelas palavras-chave para falar de um filme desta categoria, um dos melhores "mindfuck movies" desta arte relativamente recente que é o cinema. É tão cruel para as personagens como para os espetadores. Mais um daqueles que já não revejo faz tempo.
ResponderEliminarA propósito, curioso para ver a versão do Spike Lee?
Roberto Simões
CINEROAD
cineroad.blogspot.com
ROBERTO SIMÕES, Um exercício formal e narrativo tremendo e muito bem alicerçado, diria. Brutalidade será uma palavra-chave certeira para a definição, em parte, do filme, tal como profundidade ou humanidade também o são.
ResponderEliminarSim, inevitavelmente, estou algo curioso para com a versão quase a chegar de Spike Lee. A ver vamos, pelo menos uma coisa é certa - o material de origem é excelente.
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo