Full Metal Jacket (1987), Stanley Kubrick
É praticamente unânime a ideia de Kubrick ser genial. Mas essa genialidade não é aparente e superficial no que somente à popularidade dos seus filmes diz respeito, é, com efeito, também na análise plano a plano, cena a cena, ou de objectivo em objectivo que se constata pormenores e propósitos concretos que sustentam e substanciam a excelência da mente do cineasta. A concentração deve ser, portanto, máxima em todos os seus filmes (e em todos os sentidos) até ao ponto de se atingir, e sermos atingidos, invariavelmente pelo substracto final e por uma experiência global e totalmente imersiva.
A cena aqui destacada pertence ao filme Full Metal Jacket, a incursão de Kubrick na guerra ou a sua interpretação da mesma, sendo que é bem evidente a minúcia e o cuidado no detalhe, seja na preocupação de seguir ou ocultar o momento, seja no relaxe, no gozo e no aproveitamento das potencialidades morais e satíricas do acto de combater em si. Começa no "toca e foge" do soldado a falhar e a matar de seguida alguns inimigos (arrancando aqui a música ou o pecado e a irresponsabilidade de um sentimento de felicidade ingénua), passa pela (omi)presença de um helicóptero pronto a transportar e a aliviar os feridos (o mesmo que voa ou desaparece dali para fora no fim), culminando na encenação de um plano dentro de outro em que os intervenientes distribuem e brincam aos papéis ou às personagens de um hipotético filme, no que será provavelmente o auge de toda a cena. Ao som de Surfin' Bird dos The Trashmen e pelo andamento e movimento da câmera, assistimos a uma mudança de escala e a um distanciamento maior face à acção, presenciando simultaneamente a descontracção em primeira instância, e em primeiro plano, e por detrás o horror da destruição num contexto incrível de jogo e guerra. De uma estupidez e de uma ignorância como só Stanley Kubrick sabe transmitir.
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