16.9.13

À Boleia (8)

Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Entrevistado: Sofia Santos, autora do blogue girl on film.
Obrigado, Sofia, pela colaboração.

Caminho Largo: Como percepcionas, expressas e traduzes a qualidade ou não de um filme?

Sofia Santos: A resposta a esta pergunta não é fácil. Tenho total consciência de que não sou expert na matéria e sei que não sou ninguém para dizer que um filme é bom ou mau, que tem qualidade ou não. Limito-me a opinar. Mentiria se escrevesse que os meus gostos pessoais nunca interferem na perceção que tenho de um filme. Interferem e bastante. Tal como a simpatia ou antipatia por uma banda musical, por um clube de futebol, uma marca de relógios ou pelo cheiro de um perfume, as simpatias e os ódios também existem para com um filme.
Só há pouco tempo comecei a dar “notas” aos filmes. E mesmo assim com alguma dificuldade, sobretudo porque tenho noção que por vezes sou injusta ou então muito benevolente com certos filmes. A minha tabela vai do zero ao dez. Nunca dei um zero e também nunca dei um dez. Não se enganem, a nota é puramente criada e pensada por mim, de acordo com critérios pessoais, sem ligar às notas IMDb ou Metacritic
No entanto, na minha tabela quimérica de avaliação, tenho sempre em conta alguns elementos que considero serem factores determinantes para o gosto ou para a aversão sobre um determinado filme...
a) Gosto de fantasia, gosto de ficção cientifica, mas prefiro sempre um filme real. Uma história verossímil, credível, bem alicerçada.
b) Valorizo a transmissão da mensagem de forma clara. Não têm que existir diálogos profundos ou longos, não têm que ser cumpridas cronologias ou sequências narrativas, mas gosto de chegar ao fim do filme e percebê-lo.
c) No entanto, e quase em contradição com o que escrevi anteriormente, gosto de um fim irrequieto. Ou seja, gosto de um filme que me faça sair do cinema inquieta ou a pensar no que ficou em aberto. Poucos são os filmes que conseguem provocar (de forma correcta) esta sensação. Para perceberem melhor o que digo, falo, por exemplo, de um Trance de Danny Boyle.
d) Interpretações. Gosto de um actor/actriz que transmita emoções, sejam elas positivas ou negativas, como a alegria ou a tristeza.
e) A cinematografia - a fotografia, a luz, a cor.
f) Considero também determinante, o tempo – quer das cenas, quer dos diálogos ou silêncios. E já que mencionei “tempo”, os filmes não se medem aos palmos. Um filme longo pode ser um suplício, mas um filme curto pode ser igualmente castrador. Não há um tempo correcto ou ideal, mas há elementos mínimos a cumprir.
g) A banda sonora, o guarda-roupa e os cenários são elementos que muito aprecio e que considero determinantes para o sucesso ou fracasso do filme. Também o recurso à tecnologia é cada vez mais difícil de ignorar.
h) Valorizo a identificação com a história do filme, com alguma personagem, característica ou ideia.
No entanto, e apesar de considerar que os pontos que elenquei são determinantes, não faço questão de ter uma métrica rígida e inalterável. Tudo é passível de alterações e tudo depende muito do meu estado de espírito ou sentimentos.
Enquanto escrevia estas palavras, lembro-me de Million Dollar Baby, um filme especial, que me incomodou de tal modo que nunca fui capaz de escrever sobre ele, ou de o voltar a ver. A altura em que o vi não podia ter sido a pior e infelizmente marcou-me pela negativa. Assim, apesar da magnitude sentimental do filme, a minha nota iria sempre reflectir aquilo que o filme me fez sentir.

CL: No seu conjunto e na sua especificidade, um filme deve ser comparado a um hipotético livro associado? O cinema deve algo à literatura?

SS: Quando de uma adaptação se trata, tem obrigatoriamente que ser comparado. E, neste caso, comparar o filme ao livro pode ser uma desilusão ou uma surpresa. Recordo a adaptação do The Da Vinci Code ao cinema que nem sequer se pode comparar ao livro, pois o livro (apesar de todas as imprecisões históricas) supera-o a anos-luz. Mas também pode ser uma agradável surpresa adaptativa como aconteceu com The Girl with the Dragon Tattoo. Ou até mais ousadamente, a recente adaptação de Les Misérables de Vítor Hugo por Tom Hooper.
O cinema deve muito à literatura. E cada vez mais a literatura é influenciada pelo cinema. A relação entre as duas artes é vincada pela união ou pela dissidência.
Recordo-me das aulas de Estética, na universidade, em que Ingmar Bergman foi mencionado pela sua afirmação de que o cinema nada tem a ver com a literatura – uma declaração cada vez mais difícil de compreender ou aceitar, se tivermos em conta que dois terços do cinema norte-americano são adaptações literárias.
Penso que a palavra “dever” não será a mais correcta para perceber união/afastamento entre a Literatura e o Cinema. A palavra que une estas duas artes e que também as separa é só uma. É aquela de que ambas são compostas – a narrativa.

CL: A história da sétima arte, no seu largo e diversificado espectro, é fundamental para a idealização e para a produção de um filme? Em que medida?

SS: Se o Caminho Largo me permitir - a resposta a esta pergunta é muito simples: Hugo de Martin Scorsese

CL: A televisão e o cinema, para além de se influenciarem, devem-se acompanhar um do outro? Porquê?

SS: Influenciam-se obviamente, mas não têm que andar acompanhados ou criar laços de parceria. No entanto, um facto é incontornável - cada vez mais o mundo do cinema está a influenciar a televisão. A caixa mágica encontrou nas séries de televisão um potencial indiscutível. As séries são cada vez mais pensadas, mais estruturadas, mais semelhantes a um filme. Estas séries são, também elas, cada vez mais povoadas por estrelas de cinema, que encontram papéis dignos e que em nada envergonham a sua carreira cinematográfica – penso numa Glenn Close (em Damages) ou num Kevin Spacey (em House of Cards). Mas o papel inverso também acontece e também são muitos os actores de séries de televisão que migram para o cinema.
Não acho que deva ser obrigatória aquela moda que pareceu surgir com o fim do Twin Peaks ou de 24 de que o fim das séries devia ser contado nas salas de cinema. Muitos realizadores e argumentistas ainda não perceberam que o truque para uma série se tornar de “culto” está no saber parar. Mas – aqui entre nós - o cinema não pode apontar o dedo, sobretudo nestes últimos anos, em que remakes, prequelas e sequelas estão a ser usadas e abusadas.
O Caminho Largo que me desculpe a provocação, mas é fácil perceber como estes dois mundos, que aparentemente estão próximos, andam, de facto, ainda muito afastados um do outro. Para isso basta, por exemplo, constatar algumas guerras diplomáticas que acontecem no mundo da blogosfera, entre os blogs de cinema, os blogs de televisão e aqueles que são mistos (em que eu me incluo).
Assim, e tentando resumir, influenciam-se, mas não têm nem devem caminhar muito próximos. Para bem do Cinema e da Televisão.

CL: Comenta a seguinte citação do realizador Quentin Tarantino: "Adoro a violência. Às vezes eu acho que Thomas Edison inventou a câmara só para que pudéssemos filmá-la."

SS: Apesar de simpatizar muito com Quentin Tarantino e de achar que a sua forma de filmar a violência é muito interessante, não considero que esta afirmação do realizador seja a melhor ou a mais correcta. É sobretudo muito limitadora. A câmara deve filmar muito mais do que isso. Deve filmar um todo e não só uma característica. Sim, a violência pode ser bela, mas o silêncio de um olhar, um carinho, uma paisagem ou um diálogo, podem conseguir transmitir uma emoção tal, que nenhum tiro ou facada pode igualar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Partilhe a sua opinião e participe no debate. Volte mais tarde e verifique as respostas para continuar a discussão. Obrigado.