2.9.13

À Boleia (6)

Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Entrevistado: João Pinto, autor do site Portal Cinema.
Obrigado, João, pela colaboração.

Caminho Largo: Quais os critérios que te enquadram e te estruturam um filme no que à sua qualidade diz respeito?

João Pinto: Há um vasto grupo de critérios que utilizo para avaliar um filme, mas o principal é a imaginação. Não aprecio cópias nem repetições. Um filme pode até estar muito bem feito, mas perde de imediato todo o seu encanto e interesse se for uma cópia quase idêntica de um filme que já tenha visto. Não quero com isto dizer que abomino remakes, mas admito que subconscientemente exijo muito mais de um remake do que qualquer outro tipo de filmes porque, para um remake ser verdadeiramente apelativo, tem de superar o filme original e apresentar algumas diferenças importantes que destaquem a criatividade dos seus criadores e consigam diferenciar o remake do produto original. É claro que também dou muita importância ao engenho e à coerência do argumento, porque um filme com um argumento confuso e pobremente construído é, geralmente, um filme para esquecer. A parte técnica (cinematografia, banda sonora, efeitos visuais e sonoros, guarda-roupa, caracterização, montagem, edição e realização) também é muito importante para mim, porque valorizo um filme que consiga cativar os meus olhos e ouvidos, mas que acima de tudo consiga apoiar e valorizar o argumento com uma componente técnica de qualidade.

CL: Onde reside a diferença e a divisão entre os aspectos técnicos e os aspectos artísticos de um filme? Será essa distinção linear ou dependente?

JP: Os dois estão profundamente ligados, porque todos os aspetos técnicos de um filme requerem algum tipo de capacidade artística por parte das pessoas que estão por detrás dessa componente técnica. Se não existir algum tipo de arte e criatividade por detrás da técnica, então o resultado final não terá qualquer tipo de sentimento, carácter ou conteúdo. É por isso que defendo que tem de existir uma espécie de ratio lógico entre a técnica e a arte, que equilibre o sentido de ambos os aspetos e ajude os seus criadores a não cometerem excessos desnecessários que acabem por destruir o produto final. Tem por isso de haver pelo menos um bocado de arte no seio da técnica, porque senão esta não passa de uma coisa fria e robótica que não acrescenta nenhum valor ao filme. São os aspetos artísticos que promovem a diferença e a criatividade dos aspetos técnicos, mas é claro que estes não são sinónimos. Os aspetos artísticos fazem parte do criador e representam a sua exteriorização pessoal no seio do filme, já a parte técnica tem sempre de existir e, muitas vezes, pode não corresponder aos desejos do seu criador, mas mesmo nestes casos há sempre um pouco de arte na sua construção, mesmo que seja a arte de outra pessoa.

CL: A saúde e a evolução do cinema está no equilíbrio entre a sua indústria e os seus autores? Qual das duas direcções deve ser a mais dominante?

JP: Nenhuma. Num mundo perfeito a industria e os autores teriam um equilíbrio perfeito de vontade e ambição que, quase de certeza, culminaria numa sétima arte mais funcional, aberta e criativa, mas é claro que esse mundo é utópico. A indústria será sempre a direção mais dominante do cinema, porque é ela que tem o dinheiro que move os destinos da sétima arte, mas a força criativa está nos autores. São eles que alimentam a indústria com o seu trabalho e ideias, mas todos eles, mesmo os mais conceituados, estão sujeitos à vontade e à ambição da máquina industrial, que tem nas suas mãos o destino das suas ideias e sonhos. É injusto, mas pode ser que as novas tecnologias mais funcionais e baratas ajudem os autores a conquistar alguma necessária independência face à indústria, que force os seus responsáveis a reavaliarem os moldes atuais do negócio.

CL: Em que medida o cinema pode auxiliar e sustentar o quotidiano e a sociedade em geral?

JP: Tal como todas as áreas e ramos culturais, o cinema é essencial para o normal funcionamento da sociedade. Posso recorrer aos clichés culturais e dizer que o cinema é um ótima ferramenta de educação e entretenimento das massas, mas acho que o cinema vai mais além que isso, porque cumpre uma imensidão de outras funções igualmente importantes. É uma nobre forma de arte e cultura que ajuda a dinamizar o intelecto, a criatividade e a rotina da sociedade por um custo bastante acessível a praticamente todos os seus setores sociais. Para além do evidente impacto cultural, o cinema também pode ter um importante impacto económico junto da comunidade, porque pode ajudar a dinamizar múltiplos setores da economia, seja através da promoção de determinados ramos e valores, seja através da divulgação de costumes, regiões e ideias muito próprios. O cinema é um poço de criatividade, engenho, rendimento e diversão que é, muito provavelmente, uma das poucas áreas que a esmagadora maioria do povo pode consumir a um preço acessível e, acima de tudo, compreender os seus objetivos. É por isso que o cinema é preponderante na identidade cultural de uma sociedade e absolutamente fundamental no seu quotidiano.

CL: Comenta a seguinte citação do realizador Roman Polanski: "Cinema deve fazer-te esquecer de que estás sentado numa sala."

JP: Sou obrigado a concordar, mas também sou obrigado a contestar a generalidade da citação. Se um filme conseguir transportar o espetador para fora da sala de cinema e para dentro da história que está a retratar, então é porque é um filme fantástico. O problema é que nem todos os filmes são assim. É por isso que acho que o cinema é uma apelativa forma de arte e entretenimento que estimula a nossa imaginação de uma forma subjetiva e dependente do valor do produto e da mente do espetador. A magia do cinema reside na sua capacidade de estimular os nossos sentidos, o nosso cérebro e os nossos sonhos, mas infelizmente nem todos os filmes conseguem fazer isto, mas não deixam por isso de fazer parte da família do cinema, são apenas maus exemplos dentro desta forma de arte que, se for bem-feita, tem o poder de nos transportar para mundos e histórias completamente diferentes que nos fazem esquecer onde estamos a ver o filme, seja numa sala de cinema ou em casa. É essa uma das várias qualidades do cinema, mas é claro que nem todas as formas de cinema têm este fantástico poder.

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