A Propósito de Llewyn Davis, Ethan Coen e Joel Coen
Entre a intermitente comédia e a convergente tragédia, eis um notável retrato de uma classe artística num apropriado e urgente período da sua história. O músico, o cantor folk nos anos 60, e as suas contrariedades profissionais e embaraços pessoais em sobreviver, em subsistir e resistir às partidas do acaso, do tempo e do espaço em si, e da consequência em seguir sonhos e ambições, por mais (in)coerentes e (in)justos que eles sejam. No fundo, a luta contra si mesmo, contra as suas virtudes e os seus defeitos, e, conjuntamente, contra o poder implacável do dinheiro na sua vida, na condição de artista, e da sua capacidade em reverter ou não situações menos favoráveis, porventura irónicas de tão graves e improváveis que se tornam (facto que o filme eficazmente se apropria).
Num ritmo assaz distinto e temperado, a deambulação do protagonista pelas ruas de Nova Iorque, a meio por Chicago, e pelas ruas da sua consciência (na sua maioria pesada), se dá consoante os personagens assim o desejem ou a câmera assim o ambicione, num esforço, contudo, assimetricamente resolvido (com destaque para os inebriantes e sublinhados momentos cantados a solo), que no conjunto ainda assim não alcançam os seus intervenientes, autênticos faróis no oceano exploratório da narrativa. Brilhantes e intensas interpretações, todas, sem excepção, mas particularmente a de Oscar Isaac, que se empenha de alto a baixo, do interior ao exterior, com uma energia e contenção constantes e inabaláveis.
Ethan e Joel Coen, mais uma vez, a demonstrarem o seu exemplar e especial domínio no tom, na harmonia e na perspicaz montagem de todo um projecto que, na teoria se assume como ímpar nas suas carreiras e, na prática como mais um testemunho afectuoso e fraterno, ou como mais uns (de)graus adicionados à abertura da compaixão, para dentro (inside) do sensível. Facto, aliás, que acresce à clara e manifesta tendência por parte dos irmãos de ir permitindo receber, pouco a pouco, nos seus já habituais registos mais frios e descarados, algum sentimentalismo, algum assentamento e reflexão, provavelmente proveniente da idade e da sabedoria assimiladas. Mas é, sobretudo, na fabricação de um argumento deveras pertinente, competente e eloquente, onde o fim se confunde com o início num relevante ensaio social, que os realizadores mais peculiares do cinema moderno americano aqui se demarcam, quiçá se excedem.
Magnífico trabalho também na fotografia, a polir toda uma experiência muito reluzente e aconchegante e, porque não, quente numa época fria. Uma solitária viagem, que nos créditos, ao som da excelente banda sonora (de resto, polvilhada em todo o filme em sedutores trechos, ou direi, intervalos?!), nos deixa um doce sabor pelos minutos que passaram ligeiramente, na sua marcha muito própria, e um travo amargo pelo abandono de tão possantes e vigorosas performances e, em particular, de tão agradável visão e percurso individual, no que estabelece ou forma uma mais que certa companhia ao qual tão cedo não iremos esquecer ou deixar de recorrer.
Magnífico trabalho também na fotografia, a polir toda uma experiência muito reluzente e aconchegante e, porque não, quente numa época fria. Uma solitária viagem, que nos créditos, ao som da excelente banda sonora (de resto, polvilhada em todo o filme em sedutores trechos, ou direi, intervalos?!), nos deixa um doce sabor pelos minutos que passaram ligeiramente, na sua marcha muito própria, e um travo amargo pelo abandono de tão possantes e vigorosas performances e, em particular, de tão agradável visão e percurso individual, no que estabelece ou forma uma mais que certa companhia ao qual tão cedo não iremos esquecer ou deixar de recorrer.
"If it was never new, and it never gets old, then it’s a folk song."
★★★★★★★★★★
Jorge Teixeira
Jorge Teixeira
classificação: 8/10
links: IMDb, FilmAffinity, ICheckMovies, MUBI
Concordo com a análise, e gostava de acrescentar que gosto da forma como os Coen nos deixam olhar para as cenas, muitas vezes lentamente, e sem palavras. Gosto desse cinema que se conta por imagens. O curioso é que os Coen são conhecidos pelos diálogos inesquecíveis que criam, mas mostram-nos que o papel do diálogo é um fim em si mesmo, não uma necessidade de preencher os pontos da narrativa, que essa se conta com imagens. Por isso os olhares do protagonista, o modo de interpretar as músicas, ou a sua relação tão ímpar com o gato dizem mais que quaisquer palavras do filme.
ResponderEliminarAbraço.
A JANELA ENCANTADA, Sem dúvida, as imagens por vezes dizem mais, muito mais, que as palavras, não fosse o cinema a área perfeita para explorar isso mesmo. Este novo filme dos Coen é um bom exemplo.
ResponderEliminarCumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo
4*
ResponderEliminarFinalmente vi "A Propósito de Llewyn Davis" e gostei bastante do que vi e ouvi neste belo filme, recomendo que vejam.
"Inside Llewyn Davis" tem um plot interessante e bem construído, mas peca por ser um filme demasiado grande.
Convido-vos a ler a análise completa em http://osfilmesdefredericodaniel.blogspot.pt/2015/07/a-proposito-de-llewyn-davis.html
Cumprimentos, Frederico Daniel...
PS, voltem que já temos saudades.