Um convidado responde a questões nucleares ou essenciais sobre o cinema.
Obrigado, Roberto, pela colaboração.
Caminho Largo: Quais são para ti os principais factores para a qualidade de um filme?
Roberto Simões: Irei direto ao assunto. Para mim, o principal fator para a qualidade de um filme é o casamento entre o argumento, o movimento da câmera (da realização) e a fotografia e a beleza maior que daí pode provir, capaz de me emocionar ou de alguma forma transcender enquanto espetador. Logo depois, é importante que o mesmo efeito seja causado por qualquer outro aspeto do filme, a interpretação dos atores, a banda sonora ou o silêncio, essencialmente. Dificilmente aspetos mais técnicos me influenciarão, por si só, a qualificar um filme ao nível da excelência sem que esta base esteja assegurada.
CL: Preferes bons argumentos com fracas realizações ou boas realizações com fracos argumentos? Ou depende e ambas as situações são equiparáveis?
RS: O ponto de partida para qualquer grande filme é o argumento (não propriamente o guião). Por isso penso que o argumento prevalece sobre a realização. A técnica do cineasta pode ser tremenda, mas se não tem uma boa ideia a desenvolver e a contar com a sua arte, para que serve o seu filme senão para uma experiência? Só se estivermos a falar de cinema experimental; nesse caso já não podemos ver a questão com os mesmos olhos.
Contudo, ainda não respondi à pergunta (naturalmente prefiro sempre os filmes em que ambos, argumento e realização se elevem; o tal casamento a que me referia na questão anterior). Para respondê-la tentei ser objetivo e analisar as minhas listas de filmes, classificados por pontuações, e referir-me a casos concretos. Não encontrei propriamente casos de bons argumentos com fracas realizações nem casos de boas realizações com fracos argumentos; encontrei, sim, casos com algum desnível entre ambos argumento e realização, os quais nunca classifiquei como excelentes ou muito bons filmes. Ao nível do bom, já identifico alguns exemplos, de argumento superior à realização. Vejamos o caso de Colisão de Paul Haggis, de Os Coristas de Christophe Barratier, de Elizabeth ou As Quatro Penas Brancas de Shekar Kapur, de O Fantasma da Ópera de Joel Shumacher ou Gattaca de Andrew Niccol. Somente ao nível do razoável e do fraco identifico alguns exemplos de realização superior ao argumento. É o caso de Avatar de James Cameron, de Eu Vos Saúdo, Maria de Jean-Luc Godard ou de Piratas das Caraíbas - Nos Confins do Mundo, de Gore Verbinski. Se me é permitida alguma conclusão após tão pragmática reflexão, concluo, portanto, que prefiro bons argumentos com realizações inferiores do que boas realizações com argumentos mais fracos.
CL: O cinema é arte e entretenimento. Separando, se é que se pode separar, em qual das duas definições te revês mais? Porquê?
RS: Arte, claramente, porque aquilo que me apaixona pelo cinema não são os documentários, as comédias ou os filmes de aventura e ação que me permitem rir, passar um bom bocado ou tão-somente escapar à minha realidade, a não ser que sejam artísticos (conhecendo nós toda a problemática no que concerne à definição do objeto artístico). Aquilo que mais me apaixona é a arte pela arte, a superação da imagem em movimento, da música e da palavra na criação de uma dimensão quase divina e transcendente, bela e de maior consciência.
CL: Onde se encaixa o cinema na cultura em geral? O seu papel actualmente é determinante ou acessório?
RS: Apesar de para mim representar a união da literatura, do teatro, da pintura e da fotografia, a fusão maior das artes (e das minhas paixões), o cinema é mais uma arte, capaz de movimentar tanto massas como meia dúzia de gatos pingados, consoante a natureza do objeto fílmico. Talvez por esse mesma fusão, no entanto, detenha um papel de especial relevo na transmissão de valores, ideais e influências.
CL: Comenta a seguinte citação do realizador Martin Scorsese: "Cinema é a importância do que está dentro do quadro e o que está fora."
RS: Necessariamente e por mais criativa ou fantasiosa que seja a pintura, a arte, o filme em si, será sempre uma representação. Qualquer representação se baseia no mundo que observamos e conhecemos, no que está fora do quadro. O que está fora confere significado ao que está dentro; aliás, a leitura, a interpretação pode variar consoante o fora em que se está. Da mesma forma, também o dentro significa o que está fora, dando muitas vezes novos mundos ao mundo. O objeto artístico, por si só, não é mais do que matéria. Só pelo nosso olhar ganha sentido e existência.
Obrigado pelo convite, Jorge e Pedro Teixeira.
ResponderEliminarJá nem recordava as perguntas, muito menos as respostas, tanto que li a entrevista como se não tivesse sido eu o entrevistado :)
É um prazer continuar a alimentar o debate de ideias no que respeita ao cinema.
A melhor continuação para a iniciativa!
Cumps.
Roberto Simões
cineroad.blogspot.com
Que esta rubrica seja estendida a muitos mais bloggers, porque de certeza será interessante descobrir novas perspectivas sobre o cinema. Parabéns ao Caminho Largo pela iniciativa e ao Cineroad (neste caso ao Roberto Simões) pelas interessantes respostas que deu.
ResponderEliminar"Dificilmente aspetos mais técnicos me influenciarão, por si só, a qualificar um filme ao nível da excelência sem que esta base esteja assegurada."
ResponderEliminarSubscrevo ;)
ROBERTO SIMÕES, De nada, o prazer foi todo nosso. As respostas foram, mais que precisas, bastante interessantes e muito definidoras da tua forma de estar e de apreciar a sétima arte. Obrigado, mais uma vez, pela colaboração e pelo incentivo à continuação da rubrica.
ResponderEliminarCRISTINA TOMÉ, Muito obrigado pelas palavras. Sim, a rubrica com o tempo irá ser estendida a muitos mais cinéfilos, não só bloggers, pelo que nada melhor do que aguardar e ir desfrutando das entrevistas já publicadas, e pelo caminho ir absorvendo o mais possível das respostas e das visões de cada convidado. Nesse sentido, por si só, a rubrica cumpre o seu objectivo. Volta sempre :)
RAFAEL SANTOS, Frase muito bem destacada. Aliás, entre outras igualmente fracturantes no seio da conversa e da reflexão que cada um fará da leitura da entrevista. Esta por ti referenciada, também subscrevo :)
Cumprimentos,
Jorge Teixeira
Caminho Largo