4.6.13

Joana d’Arc por Maria Falconetti

La passion de Jeanne d'Arc (1928), Carl Theodor Dreyer


História sobejamente conhecida, e de forte cariz revolucionário, que assume neste filme provavelmente o seu auge de excelência. Numa época em que o Cinema ainda existia sem palavras, Carl Theodor Dreyer aborda o material simbolicamente e de uma forma não apenas, e inevitavelmente, dramática, mas também, e sobretudo, de um modo estilizado e único, ou caracterizado e desafiante o suficiente para, ainda hoje, ser considerado uma das obras mais influentes da Sétima Arte.

O filme pode ser dividido em três partes: o julgamento, a prisão e o acto final. Todas elas envolvidas e dominadas pela protagonista (a essência e o tal simbolismo) - a mulher por detrás do sucesso e da obra-prima: Joana d’Arc, interpretada por Maria Falconetti.

Na verdade, se o filme por si só é genial, muito é devido à sua heroína, logo indissociável da prestação da actriz. O rosto retratado da mesma, em extremos close-ups, é a imagem de marca da obra, para efeitos práticos ou teóricos, se nos remetermos ao subconsciente. E é nessa componente invisível e simbólica que a força da sua interpretação se destaca, e a sua presença se revela em todo o seu esplendor. O próprio Dreyer referia que havia algo no rosto de Falconetti que o hipnotizava. “Havia uma alma atrás daquela fachada”, dizia. E de facto, ela passa tudo o que precisamos saber, e sentir, apenas com a sua expressão, sendo o filme uma autêntica sinfonia (porque a música também é ela presença assídua) de emoções e de expressões. A sua performance consegue ir de um extremo ao outro. Transmite com igual eficácia a tristeza e a dor quanto a alegria e o conforto interior de uma mulher condenada à morte, mas às tantas resignada e convicta do seu papel. No fim, atinge uma expressão quase angelical, o que é extraordinariamente belo e comovente.

Sem maquilhagem (aliás, o realizador expandiu essa opção para todo o elenco), a actriz explora todos os músculos e todas as nuances do seu rosto, ficando-se quase só por aí, dado a solução arquitectada por Dreyer no filme, em que os close-ups desconcertantes e as aproximações (com forte sentido metafórico e de pormenor) cimentam um estilo e a estrutura-base de toda a filmagem. Falconetti restringe-se, assim, às expressões faciais, tão ou mais exigentes que as restantes, e a câmara como que não larga a protagonista, quase sufocando o espectador, que não tem solução senão sujeitar-se ao talento (e ao sofrimento) constante e ininterrupto da encenação de uma personagem entregue às mãos do destino (e de uma decisão meramente formal e premeditada). É, no mínimo, impressionante a transmissão e os sentimentos que passa Maria Falconetti.

A actriz, que não mais participou em filme algum, entregou-se totalmente ao papel, numa actuação de uma vida, literalmente. Experiência fortemente emocional, que somada ao formalismo e ao rigor da filmagem de Dreyer, devem ter tido repercussões na própria, que renunciou para sempre a uma carreira tão promissora. Fica-nos, apesar de tudo e por isso, uma iluminada e transcendental interpretação de uma personagem historicamente relevante, e de uma mulher a todos os níveis poderosa. Das mais sonantes interpretações femininas na história do Cinema.

Texto originalmente publicado na iniciativa 'Um Filme, uma Mulher' do blogue Girl on Film

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